quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O meu papel

Andavamos a fazer que não viamos mas as livrarias estão a desaparecer. Cada vez mais e cada vez mais depressa, em progressão geométrica. A Amazon vendeu este Natal mais livros electrónicos do que impressos... "Tás a ver a picture?". O Jornal "Courier International" escrevia há pouco um curioso artigo: "Podem as democracias sobreviver sem jornais?". Diríamos "Pode a literatura sobreviver sem livros?". Pergunta idiota ou pertinente?
O certo é que nós, os que lemos livros e produzimos coisas para serem lidas em papel estamos em vias de substituição. Substituição pelo quê? Há quem diga que os blogs têm os dias contados... agora fashion é mesmo o facebook e o twitter...
Só mais uma pergunta: e para onde vai a reflexão, a sofisticação a profundidade dos sentimentos das pessoas? Sim , porque isto não significa que as pessoas são superficiais. A questão é: para onde vai a sua profundidade? (Como um lago...)

ondinhas de luz -
escuridão lá no fundo
e silêncio.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Neve

a urina a bater no esmalte do penico
e o pensamento se fico
a rosa no seu aroma submersa
pensando que é um gato persa
um barco sem som rumo ao mar alto
passa a ponte de Rialto
uma pele quente na nossa barriga
a fazer da pele madeira de Riga
um copo a mais do que se deve
pés decididos a entrar na neve.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Ainda o valor (1)

Regresso ao valor... Este tema tem inúmeras pontas por onde pegar.
Uma outra é que para aquilatar o nosso valor ou o valor dos outros é essencial destrinçar o que é da natureza e o que é o trabalho. Esta polémica ainda está hoje viva, e nos EEUU foi chamada de "nature-nurture".
O valor da pessoa afinal onde está? No génio hereditário, no talento? Ou pelo contrário no esforço, na educação, no aprimoramento? Talvez cada um de nós tenha posturas bem diferentes sobre estes dois componentes do "valor": para uns vale o génio, a predestinação, a centelha de talento, o jeito. Para outros o valor reside no trabalho, na persistência, na aposta em se transcender pela determinação. Onde está o valor? Nos dois dirão os mais conciliadores...
Antero de Quental dizia que a prova final do nosso valor se vê depois da nosso morte. Permito-me discordar: quantas génios morreram no esquecimento e quantos "não-génios" em glória...
Quem reconhece? Eu acho que é mesmo a pessoa. Mesmo enganando-se, sub ou sobrevalorizando-se, é ao próprio criador que cabe a palavra mais isenta sobre a sua própria produção. Ele engana-se? Claro que sim. Mas os outros enganam-se também. E pelo menos há uma vantagem: quando alguém se engana sobre o seu próprio valor, só está a julgar o próprio valor, ao passo que quem se engana sobre o valor do outro engana-se certamente por motivos que não têm a ver com a análise objectiva do valor da obra.


o pinhão já sabe
o que o engenheiro
ainda vai aprenedr.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal

Que azáfama! Passei cinco dias a comprar coisas. Comprei roupa para a neve; luvas, ceroulas, calças impremeáveis, uma camisola polar, uma malha, um casaco de neve , um gorro. Para a família comprei semelhante: fato de neve, trenós, creme para a pele, etc., etc. depois foram os presentes: nem descrevo tudo o que comprei, quantas vezes percorri com ar perdido as lojas cheias de coisas que não me interessavam... E depois foi a comida: antes de mais o bacalhau das águas frias da Noruega, couves galegas de repolho, pencas, cebolas, batatas, cenouras, ovos. O azeite, oh sim o azeite ! Extra virgem (extra?) como convém e a cheirar ao fruto... E por falar em fruto também os frutos secos: avelãs, nozes, damascos secos, pinhões, figos pingo de mel, figos com nozes dentro, amendoas, peras cristalizadas, ameixas pretas, de Elvas, .... Os doces: o bolo rei: o tradicional (com a dimensão de uma roda de camião) e o especial feito de chila. As rabanadas, a aletria, os bolinhos de bolina e mais isto e aquilo. Às 4 da tarde do dia 24 ainda fui em emergência ao supermercado vizinho comprar umas coisinhas que tinham escapado à memória... Uffff !!! Às 7 e meia preparei-me para cozinhar o bacalhau para a família. A logistica pronta: as panelas enormes alinhadas como numa formatura com a água a ferver e à espera de cumprir a sua fiel missão anual. Estava tudo a postos... tinha valido a pena esta correria de compras de Natal... Estava tudo comprado e previsto! Mas...
"Eh pá! Onde está o sal?" Não há? Ninguém comprou?. Era isso, não havia em casa sal para cozinhar...
E lembrei-me de Jesus (outra vez ele). "Vós sois o sal da Terra. E se o sal não salgar?" (Fica tudo sem sabor?).
Neste Natal havia tudo menos o sal. Por fim, inventamos que o sal de mesa fino substituiria o sal de cozinha grosso.... e funcionou...
Prometo não me esquecer do sal para o ano: mesmo que não tenha tempo para comprar aquelas pantufas (iguais às do Noddy) para a minha mãe (e que ela talvez não vá usar).
Prometo!


na consoada
só faltou o sal -
Natal de agora.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ainda o valor

Retomo um post que escrevi no início de Dezembro. Quem pode aquilatar o valor do que uma pessoa qualquer faz? Cinco pontos (como os dedos da mão):
1. Avaliar é só o que a pessoa faz e não o que a pessoa é. Creio que grande maioria (a grande maioria mesmo) das pessoas é humana e rege-se por valores de não fazer mal ao próximo. Uma minoria desta maioria segue mesmo o princípio "FAZ aos outros o que gostarias que te fizessem a ti". A voz do povo tornou este "FAZ" em "NÃO FAÇAS"...
2. O que a pessoa faz tem diferentes constrangimentos. Antes de mais o do tempo. O que se faz pode ter significado num momento e deixar de o ter noutro. Um artista submerso em aplausos pode não voltar a ouvir o reconhecimento do seu trabalho. "Já fui valorizado mas agora não sou...". Também há o valor temporal voltado para o futuro: "Algum dia me reconhecerão!". O tempo é pois enganador.
3. Depois o do espaço: ser valorizado onde? No ciclo restrito da profissão, dos amigos? ao nível de uam região, nacional, internacional, mundial? Qual é o certo?
4. E ainda "por quem?".Parece que não há reconhecimentos unanimes. Sempre haverá alguém que ao lado dos elogios diga por exemplo "não fez mais do que devia", "só olhou pela sua vida", "nada de original", etc. etc. Quem dá valor? Que valor têm as críticas? E os elogios?
5. Certamente que não somos nós próprios que damos a dimensão mais objectiva ao nosso valor. (Se desvalorizassemos o que fazemos não o teríamos feito...). Na verdade não podemos confiar no nosso juízo, não podemos confiar no dos outros, não podemos confiar no tempo nem no espaço.
Enfim o que valemos? Valemos certamente o que podemos lucidamente extrair desta amálgama de informações erradas. Se calhar valemos só aqueles fugazes prazeres que conseguimos dar aos outros. É isso: valemos o que damos. nem mais nem menos!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Jesus e Janus

São mesmo parecidos: um o deus dos cristãos o outro o deus romano. Janus é um dos deuses mais interessantes para lembrar nas comemorações como é esta do Natal. Janus é representado com duas cabeças: uma a olhar para a frente e outra a olhar para trás, uma para o passado e outra para o futuro. Janus assume o que todos os deuses gostariam de ser: uma referência e uma inspiração. Outra coisa interessante que eu acho de Janus é ele não ter uma terceira cabeça para o presente: na verdade, o presente não existe e é só uma débil e ingénua tentativa que fazemos de parar o fluir do tempo.

a flor de ontem
não parou de murchar
até hoje.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Natal (outra vez?)

Ainda não gastamos as prendas do ano passado e já aí está, pertinho, o Natal de 2009! Nada de muito novo: as alegrias esperadas (mas sempre boas), tristezas do costume, as promessas habituais... Como toda a gente que eu conheço acho que o Natal anda às avessas e trocamos uma data de valores (como todos) discutíveis, por outros (ainda mais) discutíveis.
A ver: trocamos a história do nascimento de Jesus por um velho obeso, vestido de vermelho que não consta que saiba fazer mais nada senão dar prendas, trocamos o tempo para estar com os amigos por ansiosas incursões em repletos centros comerciais, trocamos a festa do nascimento pela festa do consumo. Não deixo de me enternecer com a eterna história do nascimento de Jesus: um deus num estábulo, um deus que nasce rejeitado e termina assassinado, com uma vida ao lado do poder e do dinheiro e tão fortemente sintetizou e guiou a vontade de transcendência dos homens. Será que a história de pobreza e humildade não era suficinetemente inspiradora para as pessoas que querem ser os senhores das suas vidas?
É Jesus sem dúvida que vale mais (a grande surpresa) neste Natal.

geada de Inverno
sobre os campos
um fumo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Comunicação

Para as pessoas que estudam a comunicação o que eu vou escrever a seguir pode ser uma evidência infantil. Mas como eu não estudo a comunicação, transmito esta ideia com a espontaneidade de quem achou interessante uma ideia que lhe fulgiu no espírito...
Comunicar é dividir, é estabelecer campos. O silêncio é unificador e ambíguo mas a comunicação quando se manifesta traça linhas, estabelece categorias e, crie ela unidades ou diferenças, força a tomar partido nem que seja num discreto e subtil processo mental.
(Será por estes riscos que se fala e se escreve cada vez mais e se comunica cada vez menos?...)

sábado, 12 de dezembro de 2009

Portugal, 2009

Ontem, uma colega minha, professora universitária, falava-me do seu neto de 7 anos. Uma criança adorável, criativa, viva e cheia de vida. Mas... negra. Que diferença faz "isto" em Portugal no ano de 2009? Muita, diz ela. O neto sofre na escola: há crianças que o atormentam com insultos, monosprezo, chacota e agressões. Este menino chora quando chega a casa e tem pesadelos pelas noites atormentadas. Pertence a um grupo de música e quando a mãe lhe disse que não podia ir a um ensaio deste grupo ele disse "Não faças isso. Este ensaio faz-me esquecer que sou negro!".
Portugal? 2009? Oh suprema vergonha! Mil vezes maldita a história que alicerça esta prática anti-humana e que faz tantas vítimas: as da segregação como é este menino e as vítimas da estupidez como são os seus agressores. Portugal, 2009. Eu pensei que "isto" já não existia...


tantas flores no campo
nenhuma abana igual
ao sopro do vento.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Partidas...

Mais uma amiga que partiu antes do tempo...

"uma mulher
que durante a sua curta vida
sempre creu na eternidade".

Dois haiku

à flor da água
a gaivota segue
a sua sombra.


no gume da faca
passeia a formiga -
ah! A leveza...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Balanço

Sempre interessante a polissemia da língua portuguesa: balanço é ao mesmo tempo "equilíbrio" e "avaliação". Talvez queira dizer que fazer um bom balanço, uma avaliação, implica necessáriamente que se tenha um bom equilíbrio entre todos os factores que devem ser considerados para que essa avaliação possa ser considerada justa, fiável e útil.
Fim do ano: tempo de avaliações. Mas não esqueçam... com equilíbrio. Não vale olhar só para o que não se fez... nem só para o que se fez... nem só para o que correu bem... mas também para o que correu mal.
Que energia e lucidez metemos em cada coisa? E o que recebemos em troca? E o que demos?

cada vez mais devagar -
o baloiço para trás
e para a frente.


slower and slower -
the swing backwards
and forward.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Dezembro

O céu cinzento de chumbo e de água parece ir desfazer-se em chuva a qualquer instante. Pressentindo a chuva, o vento começa a ficar mais forte e mais rasteiro. As árvores parecem suspirar quando a ventania lhes açoita os ramos. No parque infantil...


Céu de chuva -
só estremece os baloiços
o vento.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sombras

olhei bem -
as sombras, todas,
são negras.




I looked twice -
the shadows, all of them,
are black.