terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Opostos

Tantos apelos à Paz e à Concórdia que se fazem pelo Natal, não podem deixar esquecer porque é que eles se fazem. Fazem-se porque vivemos rodeados de inúmeras guerras. Poucas guerras grandes e muitas pequenas.
A guerra é certamente a experiência-limite mais radical que a humanidade pode passar. Andar a fugir com medo de ser morto ou torturado; perseguir os outros para os matar ou torturar, para lhes matar os filhos, destruir as suas casas, queimar-lhes o sustento, envenenar-lhes a água... Não há certamente nada de tão limite como este terror e procura da morte. Matar ou ser morto. O ódio absoluto.
E por trás de cada um destes terríveis actores há ternura, há afagos, lágrimas, há saudades. Lá longe...
A guerra é também matar quem ama o assassinado: os pais, a mulher, a namorada, os filhos, os amigos, as suas ideias, o seu país...


Vejo atrás dos monstros
mãos que se dão, almoços de domingo
crianças que correm
e têm as suas cabeças afagadas.
Atrás deles vêm todas estas lágrimas
Todos os gritos impotentes
Todo o mal irremediável.
E meto a bala na câmara:
quantas lágrimas vai ela custar?
Disparo de olhos abertos
para não ver. Não posso ver!
Disparo de longe
para só ver os vultos simiescos.
Quero lá saber!
Quero lá saber!
Se matar talvez chegue a casa
para almoçar no domingo.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

40

São 40 (quarenta) os livros que se publicam POR DIA em Portugal.Nem todos de ficção certamente. De poesia quantos serão? Se forem 5% são 2 por dia o que prefaz 730 por ano. Serão tantos? Se for só um por dia? Faz 365 por ano. E se houver destes 365 10% que valha a pena ler? São 36.
E eu quantos livros de poesia portuguesa li no ano passado? Talvez 16. (E o resto... sem ser em Portugal?
Raio de vida curta!

domingo, 26 de dezembro de 2010

Mais dois de Inverno

o vento e o Sol
vêm da terra -
encaram a onda.


madrugada na praia -
aquele quebrar da onda
só eu vi.

E ainda...

um velho
caminha no cais -
rangem os barcos atracados.


que pesada a gaivota
quando se eleva da areia -
mas depois...

sábado, 25 de dezembro de 2010

E mais dois ainda...

risco preto
mancha branca -
pontapé no muro.


vento de terra:
a onda anuncia-se
por um véu de espuma.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

E mais dois de Inverno

véspera de Natal
de madrugada, ainda acesos
o farol e a Lua.


a primeira marca
da pata da gaivota
na pele da areia.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Três haiku de Inverno

manhã de Dezembro
na praia as ondas
correm para o Sol


dabaixo da estátua
um jardineiro varre folhas
à chuva miúda.


o vento e os meus olhos
chegam ao quintal vazio
pela frincha da porta.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ser natural

A poesia haiku está ligada à Natureza. E o que significa "estar ligado à natureza?". Por um lado significa que Natureza (o mundo natural) deve estar presente na poesia: as montanhas, o sol, a lua, os lagos, o mar, a terra, os pássaros, a água, o fogo, etc. etc.
Mas significa também que a poesia deve ser natural no sentido de não ser pretenciosa, afectada, diletante, artificial. Uma poesia desta só pode ser escrita se o poeta for "natural". E regressa a questão: "Que é ser natural?".
Ser natural é não se motivar pala opinião que os os outros têm de nós. É certamente aprender com a vida e com os outros mas não deixar que as opiniões, os planos ou as expectativas que os outros têm sobre nós nos determinem a vida. "Sermos nós próprios". Aprendendo tudo mas na hora de decidir agir só de acordo com o que achamos que está certo. Isto é agir de forma "natural".

lindo o caracol!
e não se viu
ao espelho.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Pressão

Como ela tem aumentado! A pressão arterial, a depressão...Que me perdoem os estudiosos da depressão mas eu diria que a depressão está intimamente ligada à alienação. Já Karl Marx dizia que a alienação é um processo que separa o trabalhador do seu trabalho, isto é, da fruição, do prazer de fazer o seu trabalho.
A pressão que actualmente, em nome da "crise", se abate sobre os trabalhadores tem muito a ver com o facto dos ritmos, dos procedimentos não permitirem que cada pessoas controle o trabalho que faz, se satisfaça em o ver feito e possa usar o trabalho para aquilo que ele devia ser: uma actividade humana e como tal completa e realizadora.
Separar as pessoas da fruição do seu trabalho, comprometê-las em trabalhos dos quais não se tem controlo, desumaniza o trabalhador e deprime-o.

o roupeiro da equipa
nunca pode ver o jogo
de futebol.

5 máximas

1. Dança como se ninguém te visse
2. Dá como se ninguém soubesse
3. Tem compaixão como se não tivesses mais nada que fazer
4. Fala como se o que dizes fosse útil
5. Ama como se não soubesses que vai acabar.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Bambu

O escritor António Lobo Antunes publicou há alguns anos um livro (que eu não li...) com um título sugestivo: "Que farei quando tudo arde?". A pergunta á muito pertinente agora que parece que os valores, os hábitos, as práticas, as rotinas, etc. se estão a alterar tão rápida e radicalmente que podemos pensar que "tudo arde". O que arde e se vai esfumando são os processos e os pressupostos com que se fazia quase tudo desde a economia, à educação, passando pelas relações humanas. Lembrei-me de responder à pergunta do António Lobo Antunes. Que fazer?
Encharca-te, pá! Não te incendeies só porque tudo arde. Mantem-te molhado. Não digas que agora não vale a pena. Sempre vale a pena a tua actuação e pensamento. Mesmo que não seja para prevalecer serve para contrabalançar o incêndio. Vai dizendo e fazendo e analisando com a tua consciência o que és e o que fazes. E deixa para lá os pirómanos...

um pardal:
no mais firme nos bambus
batidos pelo vento.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Pensar à volta do "click"

A publicidade aos computadores assenta em dois pilares: a memória e a rapidez. Claro que uma está ligada à outra: quando a memória está muito carregada a informação anda mais devagar... Mas hoje queria falar da rapidez.
Já trabalhei nesses computadores super rápidos: ao menor "click" aparece outra janela e os diferentes ambientes sucedem-se vertiginosamente. Isto é que parece ser o bom, não é?
Eu faço a apologia dos computadores lentos; aqueles que depois de clicar ficam uns exasperantes dez segundos até mudarem para o programa ou que pedimos. E porquê? Porque é que na idade da rapidez eu louvo os computadores lentos?
É para ver se temos tempo de pensar... Já avaliaram quantos "clicks" frenéticos e inúteis (raivosos ?)damos ao nosso computador? Com um computador mais lento talvez tenhamos uma oportunidade de pensar "à volta do "click": "Era mesmo isso que eu queria?", "O que é que vou escrever?", "Vale a pena?" "Será este o "tom"?
Vivam os computadores lentos! Os únicos próximos do nosso ritmo! (Mesmo assim ainda talvez mais rápidos que nós...)


Dança:
o pensamento flui
ao ritmo do corpo.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Bolsos

Há pouco tempo fui a uma conferência na Gulbenkian sobre arte japonesa em que se falou sobre o "inro" japonês - aquela pequena bolsa suspensa ao pescoço. Visitei depois a (fantástica) exposição de pintura no Museu Nacional de Arte Antiga sobre os "primitivos Portugueses".
E que tem uma coisa a ver com a outra?
É que reparei que nos numerosos quadros pintados entre 1450 e 1550 não havia bolsos no vestuário nem pinduricalhos atados à roupa. E pensei...
Durante muitos séculos não precisamos de trazer nada connosco, depois vieram os bolsos (sempre cheios de "coisas"), depois as pastas (cheias de papéis que muitas vezes passeamos sem precisar) e agora trazemos o "portátil" com as nossa músicas, as nossas fotos, a nossa enciclopédia virtual, os nossos ficheiros, etc. etc. etc.
Cada vez precisamos de transportar mais coisas connosco. Porquê?
Talvez: 1. porque o que nós somos depende cada vez mais do que temos e 2. porque passamos para os bolsos e para "o portátil" o que devia estar na nossa mente e no nosso coração. Talvez...

A idade da água.

barulho de água
sentado no banco um velho -
um novo e uma velha.

domingo, 12 de dezembro de 2010

O triste de aprender

Quanta conotação de tristeza e de punição está ligada ao sublime acto de aprender! Pune-se o outro "para que ele aprenda": a omissão, o castigo verbal, o cinismo, a humilhação são quantas vezes justificadas pela "aprendizagem"? ´"É para aprender!"
Aprende-se com a dor? Tenho dúvida.
Com a dor sofre-se, com a dor evita-se, não se faz, não se volta a fazer. Mas fazem-se coisas novas? Não.
Aprender é ligar o que somos com coisas novas e que não suspeitavamos que eramos capazes. Aprender é ser, fazer, poder coisas novas.
E isso consegue-se com castigos? De certo não.


um caracol
no passeio depois da chuva -
abriga-te na relva!

O Ruy e eu.

Quantos cabelos é preciso perder
para ser careca?
Quantos centímetros é preciso ter
Para ser "alto"?
Quanto tempo tem de passar
para ser demais?
Quanto amor deve de ser negado
para ser pouco?
Quando é que já chega?
Quando sobra?
Quando falta?
Quantos amores têm de morrer
Para abalar tanto as raízes da nossa vida
Que se nos torna natural partir?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Soltei o corpo:
a água do rio
balançou-o para o mar,
para o largo mar.

Não levei saudades
da terra:
nem o frio da água
me fez pensar
em voltar

Só foi comigo
uma tristeza fina como seda
macia, fria e quase afago.

Gaivotas de vidro azul
volteiam no céu leitoso
e os reflexos já laranja
nas suas asas
anunciam a noite.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Investimentos desiludidos

Breve lição de Economia

1 Se em Janeiro de 2007 tivesse investido 1.000 euros em acções do Royal bank of Scotland,um dos maiores bancos do Reino Unido ,hoje teria 29 euros
2 Se em Janeiro de 2007 tivesse investido 1.000 euros em acções do Fortis,outro gigante do sector bancário hoje teria 39 euros
3 Se em Janeiro de 2007 tivesse investido 1.000 euros em vinho Tinto do Douro e o tivesse bebido todo e vendesse apenas as garrafas hoje teria 46 euros

Conclusão - No cenário economico actual perdes menos dinheiro sentado bebendo um bom vinho

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Yingato e Yangato

Concurso Internacional de Haiku / International Haiku Contest

Em Janeiro a Associação de Amizade Portugal-Japão vai organizar um Concurso Internacional de Haiku. O concurso estará aberto até 31 de Março e aceitará poesia em português e em inglês. O regulamento já está pronto e muito em breve estará a correr nas páginas da internet.
O tema do concurso é o Mar e a Viagem.
Podem começar a preparar os haiku...


January 2011, the Friendship Association Portugal-Japan will organise an International Haiku Contest. This contest will accept applications till the 31rd of March in Portuguese and in English. The Rules of the Competition will be soon on Internet.
The main theme is the Sea and the Voyage.
You may start preparing your haiku...

sábado, 4 de dezembro de 2010

Workshop de Haiku

O animador de uma workshop de Haiku raspou duas pinhas uma na outra.
- O que lhes lembra este som?
Várias respostas: "uma peça a encaixar", "um ácido", "um abandono"...
Até que um dos participantes disse:
-A mim lembra-me sexo!
- É a resposta mais original que eu ouvi até hoje! Pode explicar porquê? - perguntou o animador.
- É que eu não penso noutra coisa...