segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 de Abril

37 anos depois do primeiro 25 de Abril quero celebrar e comemorar todas as realidades e utopias que o 25 de Abril soltou. Talvez nada melhor para resumir este sonho que a última canção que José Afonso editada no disco "Como se fora seu filho" em 1983. Aqui fica como meu estremecimento e com a minha "pele de galinha" quando a leio:


Utopia


Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

domingo, 24 de abril de 2011

Domingo de Páscoa

Até os evangelhos são prudentes: quando o corpo de Jesus não é encontrado no túmulo,aventa-se a hipótese: "Será que o roubaram?". Trata-se de uma pergunta "de efeito" só para tornar mais forte a conclusão que o corpo de Jesus não foi roubado: ressuscitou. A ressureição de Jesus tornou possível, ainda que simbólicamente a grande esperança do cristianismo: a vida eterna e com ela a justiça sobre os nossos actos. Já S. Paulo escrevia: "Se Jesus não ressuscitou, é vã a nossa fé".
Claro que a ressureição dos mortos levanta problemas incompreensíveis para a nossa diminuta inteligência e, tal como a re-incarnação, coloca um sem número de questões sobre o possível modo com pode acontecer. Mas adiante...
Hoje, Domingo de Páscoa de 2011 quero celebrar duas coisas:
1. O facto de se celebrar a "ressureição" do Jesus que disse "Bem-aventurados os mansos de coração porque deles é o reino dos céus" ou ainda "Fazei aos outros o que gostariam que vos fizessem a vós". É uma grande esperança pensar que um Homem destes e sobretudo os seus valores, não morreram.
2. Quero ainda celebrar a vida. A nossa vida. Tão curta, tão incerta, tão desperdiçada, mas mesmo assim tão única e tão preciosa. É lógico que não nos conformemos com o seu fim: ela é tudo o que realmente conhecemos, ela é tudo o que podemos ter alguma evidência que existe.
A morte e a ressureição de Jesus tornou-se uma fantástica parábola sobre o nosso tempo e continua a ser uma das estreitas janelas por onde pode escapar a nossa esperança.


há mil anos
a oliveira ressuscita.
todos os anos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma variação

O carácter espentâneo do haiku verifica-se quando se capta o indizível discernimento sobre "aquele" momento. Depois desta captação, traduzir o que se intuiu para palavras, não tem muito de espontâneo: na minha opinião é um trabalho de relojoeiro (do tempo em que os relojoeiros não só vendiam relógios mas que os sabiam reparar). Por vezes transportamos connosco uma ideia que pode ser um haiku durante muito tempo. Mesmo depois de o escrever, ficamos em dúvida. Eu fico sempre em dúvida mesmo depois de ter escrito a décima versão...
Aqui fica uma segunda versão de um dos haiku de ontem. Que se ganhou? Talvez um ambiente mais perguiçoso e de crepúsculo, talvez uma maior sensualidade, talvez uma indeterminação que pode estimular o pensamento do leitor (os dedos são de quem?)
Aqui fica:

tarda a noite -
os dedos lentos
à volta do copo.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

3 de hoje

devagar para longe
ou rápido para perto?
tartaruga ou lebre?



fim de tarde
lento, à volta do anel,
o teu dedo.



das tuas mãos
recebo o livro de filosofia -
nem sei o título.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O tempo e a passadeira rolante

Durante a nossa vida
temos a andar, ao nosso lado,
uma passadeira rolante.

Quando nascemos,
não a conseguimos acompanhar:
não fossem os adultos
e ficaríamos
lá,
muito atrás.

Depois crescemos.
Ficamos fortes e rápidos.
Tão rápidos
que até pensamos
que a passadeira
de tão lenta
nunca vai sair do sítio.

Mas...
mais tarde, quando os anos passam
a passadeira volta
a andar mais depressa.
Já não a acompanhamos:
andamos ao seu lado
a passo
e, mais lentos,
aproveitamos para olhar
o nosso caminho
e o dos outros.

É da natureza da passadeira
ser constante
e nunca parar.
Pertence à nossa natureza
ser irregulares
e ter de parar...
um dia.

sábado, 9 de abril de 2011

Adília Lopes

No livro "Resumo - a poesia de 2010" editado pela FNAC e que custa (oh excepção!) 4 Euros, estão publicados alguns poemas da poeta(isa?) Adília Lopes. Não tendo a forma de haiku são poemas que estão impregnados da filosofia do instante, da síntese e da natureza. Com a devida vénia, transcrevo três deles:


À noite
com a iluminação pública
as sombras dos choupos
nas cortinas das janelas
da minha sala


Na vida e no poema
dar menos um passo.


A minha varanda velha
com quatro gerânios velhos.


Muito lindo!

Caracóis...

- Foge! Vem aí a águia!
- Se me tivesses dito ontem...
disse o caracol.

O ninho da garça

"The Heron's Nest" a excelente revista de haiku editada nos Estados Unidos vai publicar um haiku meu. E ele aqui fica em lançamento exclusivo:

dry leaves--
between each step
a silence

quinta-feira, 7 de abril de 2011

De hoje...

desde que nasceu
que o robusto castanheiro
ouviu falar de crise.


as papoilas
esperaram todo o Inverno -
e aí estão.


campo de Primavera!
Quanto da terra
são sementes!


onde estavam
todas estas flores
quando eu estava triste?


o ar cheira a mel -
as abelhas correm
a guardá-lo.

domingo, 3 de abril de 2011

Livre Circulação

"Livre Circulação" é o nome de uma exposição com obras da Fundação de Serralves no Centro de Arte Manuel de Brito em Algés (Oeiras). Trata-se de uma exposição de arte contemporânea que, como de costume, nos procura surpreender e mostrar que fazemos circular o nosso olhar, o nosso gosto e as nossas ideias sobre carris.
Alguns trabalhos chamaram-me a atenção por procurarem de forma deliberada imitar a Natureza. Imitá-la sem sobranceria mas desnudando os pobres maquinismos que dispomos para representar ou simular a Natureza. Os trabalhos sobre as ondas do mar, o vento nas palmeiras e as nuvens eram muito ilustrativos tão pouco que o homem é capaz quando quer representar ou recriar a Natureza.
E fica as perguntas: onde é que nos perdemos para precisarmos de representar a Natureza para nos lembrar o mar, as palmeiras e as nuvens de verdade? Onde é que as podemos voltar a encontrar?


linda foto do mar -
e o vento? A maresia?
- Ficaram lá.

sábado, 2 de abril de 2011

Lançamento do Livro



Aquelas paredes respiram, transpiram e aspiram por literatura. O Grémio! Foi mesmo ali que nos juntamos para lançar o livro "De Frente para o Mar". Cada autor presente (e estiveram 5 ) apresentou uma reflexão sobre o haiku e sobre a sua forma de escrever haiku. Foram momentos especiais e muito ricos.
Esteve também presente o editor Jorge Fragoso. Retenho, para reflectir a frase que ele pronunciou "A poesia não serve para nada". Não serve para nada? Ai serve, serve. Mesmo na era em que nos pretendem impingir que a economia é tudo. (Isto é: é toda a nossa desgraça!)
Querem escrever um comentário a dizer para que é que a poesia serve?

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Nelson Savioli

Divulguei há pouco tempo a publicação do livro do poeta (ou melhor, haijin) brasileiro Nélson Savioli "Insistente Aprendiz".
Mas faltava divulgar alguns dos seus haicais.
E aqui estão com um aceno amigo:



Mãos flutuam
Garimpando sons.
Ah, primavera!

Manhã outonal.
Os primeiro sons da manhã
vêm pelo rádio.

A orquestra destoa —
maestro com uma mosca
na ponta do nariz.

Passa o caminhão,
olhos fitos no horizonte,
o cão viaja.