sexta-feira, 30 de março de 2012

Oração

Álvaro de Campos não anda longe e Ruy Belo também não...


Vem Humanidade!
Sabemos que andas longe e andas perto
que estás perto mas sufocada e vives longe como num sonho.
E por isso temos que falar tanto de ti
de responsabilidade e de justiça.

Vem Humanidade!
Tu que ao mesmo tempo és todos nós
e o melhor de nós!
Vem-nos recordar que o poder da compaixão,
da solidariedade e do amor.

Aproxima-te de nós
e lembra-nos que somos melhores
que as iniquidades que criamos.
Diz-nos que os crimes que cometemos são involuntários
e irrepetíveis.


Surge-nos confiante.
Mostra que tens poder contra o Mal.
Mostra-te invencível para que te sigamos
e deixa que os bocados que temos de ti
se juntem aos bocados que de ti que têm os outros.


E tem pena de nós,
que só por um desvario pudemos planear
uma vida longe de ti,
e. até, que tu eras - como os afetos -
descartável e fraca.


E fica connosco
para que nos sintamos vulneráveis
à Primavera, às crianças, ao rir,
à compaixão e ao amor.
E que te respiremos doze vezes por minuto.


E não te vás embora, Humanidade!
trata-nos como crianças boas mas imprudentes
que caminham no fio da lâmina sem terem visto o cor do sangue.
E perdoa as nossas ofensas
como nós não temos perdoado a quem nos tem ofendido.

Chuva

está a chover
que saudaes eu tinha
daquelo som
ao mesmo tempo longuínquo e próximo
da água a correr nas sargetas
e da daquele rumor
fresco e constante.
está a chover:
finalmente sabemos
que nem a chuva é de graça.
Obrigado!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr da Vinci

A nossa cultura especializou-se, espartilhou-se, pulverizou-se, "balcanizou-se" tanto que tivemos que inventar um termo para definir os grandes criadores que navegam entre várias artes e várias ciências. Chamamos-lhes "Homens da Renascença".
Millôr Fernandes morreu. Era um "Homem da Renascença" e tinha a suprema classe de fazer reluzir tudo em que tocava. Não de ouro mas de graça, leveza, crítica, beleza.
Em homenagem ao grande Millôr aqui fica um dos seus haicais:

O hai-kai,
Descobri noutro dia,
É o orvalho da poesia.


Obrigado!

Sakura

vida inteira num ano!
um velho olha devagar -
cerejeira em flôr!


lifetime in a year!
an old man slowly looks -
cherry in bloom!




quem vai ver
esta cerejeira florida
na próxima Primavera?


who will see
this blossoming cherry tree
next Spring?

Senryu

em toda a parte
tudo se modifica:
é uma mundança.

domingo, 25 de março de 2012

Castanheiros

Enquanto os castanheiros
planeiam os seus ouriços
eu espero,
lisas e brilhantes,
as castanhas.
Eu e eles em silêncio
em segredo e com esperança.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Postes e ervas

dos postes erguidos
só olho a terra que os sustenta -
a eles e às ervas.

quarta-feira, 21 de março de 2012

21 de Março!

Que dia este: já não chegava entrar a primavera e ainda por cima é o aniversário do nascimento de J.S. Bach. E ainda por cima ainda, o dia mundial da poesia. Que dia!

o neto ao avô:
- Queres que te dê um relógio?
- Não. Quero horas!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Junto ao mar

frente ao mar
e quase do tamanho dele
se abrir os braços.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Raínha Santa

A santa que herdei da minha avó
olha-me lá de cima
da prateleira da sala.

Para ela,
a quem a idade já toldou a vista,
só o que está mais alto é visível.

Vê a minha cabeça enorme
com uma tiara de sapatos
que pulsa alternadamente quando caminho.

Ela vê, de certo, o que está certo:
uma cabeça feita balão mal sustentada
na terra. (É isso, Raínha Santa?)

terça-feira, 13 de março de 2012

A Porta

moro em frente à porta
onde se entra e se sai
sem saber o que está do outro lado.

uns encontraram pessoas
outros o mar: só romântico
quando bordejado de terra.

sair sem saber para onde
chegar sem saber onde...
uma fina lâmina de aço no coração.

e eu aqui...
frente à porta de onde só se vê o desconhecido
a procurar sentidos.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Ela está aí...

manhã de Primavera -
só vôos e chilreios
sob o sol quieto.