Já por várias vezes aqui falei da fina sensibilidade e conhecimento profundo que o poeta brasileiro José Marins tem do haiku. Este poeta escreve regularmente numa lista de discussão chamada "haicai - l" e nela emite frequentemente opiniões com vista a ajudar os mais novatos a escrever haiku.
Publicou há poucos dias o texto que aqui reproduzo, depois de óviamente ter obtido o seu consentimento para tal...
1
O haicai não é um poema enumerativo, que junta fatos com coisas, cujos significados estão mais na subjetividade do autor do que na objetividade da leitura, do leitor. O haicai só vai existir de fato na leitura do leitor.
(O poeta do haicai deve ser o seu primeiro leitor.)
2
Há um sentido que só se realiza no haicai.
Poética existe em toda a linguagem humana, e, principalmente, no poema. Mas, a poética do haicai só existe nele. Quando dissemos que um poema é um terceto não é para desqualificar o poema de quem o fez, mas para dizer que ele não chega a realizar o haicai.
Leia isto:
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Na névoa da aurora,
a última estrela
subirá pálida.
-
Cecília Meireles
Um leitor que desconhece poderia ler neste belo terceto um haicai. E por que não o é?
O haicai fala desta névoa e não de uma névoa genérica como se lê no terceto.
No haicai o poeta vê aqui/agora a estrela a subir ou subindo.
No terceto a estrela subirá, é futuro.
O haicai não traz o tom de aforismo, este terceto é quase um.
Só para dizer algumas diferenças. Entretanto, não estou dizendo que o terceto não é belo, ele é apreciável, emociona, convence como linguagem poética, como poema.
Porém, não é um haicai.
O sentido que só se realiza no haicai é uma qualidade denominada haimi.
Se o poema não tiver certas características ele não realiza o haimi, o sentido do haicai.
Ele, às vezes, surge como um Ah!, um pequeno eureka (que pode ir do mínimo estalo ao máximo de estalo para alguém), pode chegar a ser um insight para outros.
Leia este:
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névoa da manhã
dissipando devagar ---
a última estrela
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Independente de ser um bom haicai, de você gostar ou não, ele tem os "componentes". A visualidade que ele nos traz sustenta o haimi, um sentido diferente do terceto de Cecília.
3
Para buscarmos o haimi do nosso haicai visual, temos que observar se ele traz uma linguagem visual. Sem inventar muito, há uma visualidade que pode ser buscada.
Tome-se a cena haicaística, encontre o detalhe que se tornará o haicai, ou se ele se apresenta (aos olhos treinados!), busque a linguagem que faz sentido haicaístico.
Alguns elementos são mais visuais que outros.
Veja esta relação de termos que são apropriados à visualidade:
- cor, brilho, nitidez, luminosidade, foco, tamanho, distância, movimento, velocidade, localização, bordos, proporção, dimensão, composição, pintura, desenho, etc.
-
Aviso: Estas são considerações pessoais, relativizadas. Comentários são bem vindos.
Um abraço,
-
vento cortante -
enrolado na bandeira
passa o torcedor
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josé marins
sábado, 7 de agosto de 2010
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