José Marins é um dos estudiosos de poesia haiku mais dedicados e competentes. Ombeia com os grandes especialistas internacionais do tema.
José Marins (de Curitiba, Brasil) acaba de divulgar um texto que certamente será precioso para quem queira compreender e iniciar-se no haiku.
E aqui fica com o cumprimento e uma homenagem ao sutor:
Breve poética da leitura de haicai
Quem se interessa pelo haicai descobre que é um poema dedicado à natureza, ao meio ambiente (para usar uma expressão da atualidade).
O leitor de livros de haicai exigente procura saber mais do pequeno poema, conhece dele a estrutura (redondilhas menores e maior), a ausência de rimas, mas conta os sons na métrica, dispensa o título, privilegia a linguagem simples.
Nota que o poema traz um efeito, um sentido no leitor, nas leituras sugeridas, seja uma cena, uma ação, um gesto, um canto de pássaro, o zinir do vento, o prateado do orvalho.
O haicai é um diálogo.
O poeta já se foi e deixou um bilhete, o poema, aos olhos do leitor.
Captar o sentido que nem sempre está explícito, porque pode estar sugerido, é o deleite de sua leitura.
O poeminha não é feito de mínimo para alcançar o máximo. A pequenez de seus três versos busca a brevidade do instantâneo, o sucinto, o essencial. Ele não busca o máximo de sentidos, mas tão somente um número limitado de efeitos de si para quem o lê. Às vezes apenas aponta para um cisco na cena. Os grãos amarelos de pólen nas patas pretas da abelha.
A fulgor do haicai, que pode durar séculos, é a de uma estrela cadente, o piscar do pirilampo na escuridão, o som da rã ao mergulhar.
Quem quiser polissemia de palavras, múltiplos significados metafóricos, infinitas leituras, deve buscar outro tipo de poema. O haicai não existe para significar issos e aquilos, não há interpretação para se fazer, nem sentidos ocultos. O que temos para ler do poeminha está nele, brilhando como uma gota de orvalho que de súbito escorrega de cima de uma folha.
Se tivéssemos que conhecer todos os contextos, as cenas haicaísticas, os momentos, dos quais se capturaram os haicais, não poderíamos ser seus leitores.
O pertencimento a uma estação ou a outra é dado pelo kigo. O termo sazonal que nada explica, mas situa a vivência do poeta e a ecologia do poema. Mas ninguém é obrigado a saber a lista de termos de estação para ler haicai.
Um chavão entre os poetas do haicai, que soa como advertência, é: o haicai que precisa de explicação, não é um bom haicai.
Porém, confesso: como leitor eu gosto de explicações e histórias a respeito de haicais.
Assim, por exemplo, quando leio este haicai de Bashô:
-
vai-se a primavera –
os pássaros lamentam-se,
os peixes choram
-
O poema tem o suficiente, funciona sozinho e sustenta a minha leitura.
Mas é inegável haver nele uma atmosfera dramática. Seria o exagero uma antevisão do inverno que se avizinha?
Um tradutor espanhol (Fuente) escreveu: “O final da primavera entristece Bashô, que sente as aves e os peixes participarem de seu sentimento.” Pode ser.
Entretanto, este poema inaugura aquela que é considerada a mais importante viagem deste poeta peregrino. Quando está prestes a partir, ele sente tristeza e apreensão. Os amigos o acompanham em barcos até o início do caminho por terra. Ali ele se despede com “lágrimas de adeus”. Depois de anotar o poema, Bashô escreve no diário: “Este poema foi o primeiro de minha viagem. Pareceu-me que eu não avançava ao caminhar. Tampouco as pessoas que tinha ido se despedir de mim se afastavam, (...)”
Querer que o haicai seja outra coisa que não ele mesmo, com suas características técnicas e artísticas, é a pior forma de leitura que se faz, infelizmente do poema. Compará-lo, por exemplo, à arte plástica para dizer que o haicai é muito “figurativo” e pouco “abstrato”, é uma forma de ignorar a riqueza de sua linguagem. Ou não teríamos um haicai, por exemplo, como este de Bashô:
-
escurece o mar –
a voz dos patos selvagens
vagamente branca
-
Aqui o poeta contrasta o escuro do mar com o branco dos gritos dos patos, ou seja, utiliza da sinestesia, um recurso sofisticado da linguagem.
Não estou dizendo que o haicai tenha que ter sofisticação. Sua afirmação como poema específico na poesia universal é secularmente definida. Sua linguagem continua sendo simples, nossas leituras é que precisam ser aprimoradas.
-
noite de invernia –
o silêncio por pouco
sem o som do rio
-
josé marins
domingo, 31 de julho de 2011
quarta-feira, 27 de julho de 2011
O sobreobjectivo
"Sobreobjectivo" é uma palavra que inventei para designar aquilo que está "por cima" do "objectivo". Chamar às nossas ideias sobre o mundo "subjectivas" é uma grande falta de respeito por elas.
O que se pensa
tem um princípio e um fim,
uma categoria
e pode ser avaliado
por qualquer pessoa
que nem conheça o assunto.
Mas o que se imagina...
bem... tudo é possível,
desliza como gelo sobre gelo.
É impermanente, voa, viaja
e faz da Física um anacronismo.
Ah! E só se pode julgar no afecto.
O que se pensa
tem um princípio e um fim,
uma categoria
e pode ser avaliado
por qualquer pessoa
que nem conheça o assunto.
Mas o que se imagina...
bem... tudo é possível,
desliza como gelo sobre gelo.
É impermanente, voa, viaja
e faz da Física um anacronismo.
Ah! E só se pode julgar no afecto.
quarta-feira, 20 de julho de 2011
O tamanho dos sonhos
De que tamanho são os nossos sonhos? (tamanho pode ser substituido por dimensão, profundidade,nobreza, etc.) Recebi hoje este texto do meu amigo Adilson:
"A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos....
O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum... é amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos".
Eu acho que "gente mais ou menos" somos nós quando barateamos os nossos sonhos e quando (por comodismo, perguiça ou conformismo) achamos que "já está bem assim". Ora a questão é que NÃO está bem assim! Não ser "mais ou menos" é olhar para o nosso mundo e para a nossa vida como se fossem um estaleiro de obras.
na mão da criança
a bola de trapos
é oficial.
"A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos....
O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum... é amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos".
Eu acho que "gente mais ou menos" somos nós quando barateamos os nossos sonhos e quando (por comodismo, perguiça ou conformismo) achamos que "já está bem assim". Ora a questão é que NÃO está bem assim! Não ser "mais ou menos" é olhar para o nosso mundo e para a nossa vida como se fossem um estaleiro de obras.
na mão da criança
a bola de trapos
é oficial.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Pica-Pau
Grande engano: o pássaro não pica na madeira por capricho: é por obrigação. A ideia é comer os insetos que estão sob a casca da árvore. Picar no pau é o caminho para comer. Mas a Natureza enfeita sempre estas ações tão prosaicas: inventou um pássaro lindíssimo, um som de música japonesa e mesmo um ritmo.
Foi isto tudo que motivou a Ivany Lima a fazer esta foto num parque do Brasil.
Obrigado!
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Uma oliveira
Dos noticiários: em Portugal há uma oliveira com 2.860 anos em Santa Iria da Azóia. Contadinhos e certos. Esta árvore viveu durante toda a passagem da civilização ocidental. Em pequena, estava o império egipcio florescente, estavam os fenícios a preparar-se para construir o seu poder comercial no Mediterrâneo, estavam os etruscos, os aqueus e os cretenses em vias de começar algo que só floresceria muito mais tarde.
E se as folhas pequeninas desta árvore ainda tão imponente, olharem para o céu vêm que nele nada mudou. E se esta oliveira fosse um filósofo talvez nos dissesse que não só o céu não mudou: os homens também não mudaram muito. Hei-de ir abraçar esta oliveira com a emoção de quem abraça um ente querido que mesmo que não nos entenda sabe tudo sobre nós.
Ah o vento da noite...
a oliveira vira as folhas
como se fosse novo.
E se as folhas pequeninas desta árvore ainda tão imponente, olharem para o céu vêm que nele nada mudou. E se esta oliveira fosse um filósofo talvez nos dissesse que não só o céu não mudou: os homens também não mudaram muito. Hei-de ir abraçar esta oliveira com a emoção de quem abraça um ente querido que mesmo que não nos entenda sabe tudo sobre nós.
Ah o vento da noite...
a oliveira vira as folhas
como se fosse novo.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Egoismo
Já aqui disse que gosto da frase irónica de Jean-Paul Sartre que "o inferno são os outros". Hoje apetece-me dizer que "o infeno afinal somos nós". O contacto com os outros é o essencial espelho para nos vermos a nós. Um exemplo: se uma pessoa que consideramos nossa amiga (amiga mesmo) faz algo que consideramos moralmente menos correto, este é um bom exemplo para vermos as coisas que somos capazes de fazer. Se um amigo meu (pessoa com quem me identifico fraternalmente) infringe (por egoismo, por egocentrismo, por negligência, até mesmo por uma vingançazinha) um código moral que eu acho certo, que serei eu capaz de fazer? Pelo menos o mesmo, se não for pior.
O inferno afinal não são os outros; somos nós e os outros, somos todos. Por um palmo de terra, por um olhar que consideramos menos respeitoso, por um tom de voz, por um esquecimento banal, por uma palavra, temos o caldo entornado e o nosso Ego agiganta-se. (Coitados de nós! Quanto mais finitos e pequenos, mais arrogantes...)
a fomiga parou
à espera que a erva
saísse do caminho.
O inferno afinal não são os outros; somos nós e os outros, somos todos. Por um palmo de terra, por um olhar que consideramos menos respeitoso, por um tom de voz, por um esquecimento banal, por uma palavra, temos o caldo entornado e o nosso Ego agiganta-se. (Coitados de nós! Quanto mais finitos e pequenos, mais arrogantes...)
a fomiga parou
à espera que a erva
saísse do caminho.
domingo, 10 de julho de 2011
Acreditar nas crianças
As posições sobre Educação talvez se pudessem - de forma muuuuuito genérica - agrupar à volta de dois pólos: as que acreditam nas crianças, no seu potencial, na sua integridade como ser humano e as que acreditam na sua incompletude e no seu déficit. Claro que eu estou atraído pelo primeiro destes pólos.
As pessoas que desconfiam das crianças e cuja única preocupação é atafulha-las de conhecimentos, discipliná-las, moldá-las ao mundo, essas pessoas divergem de mim em três aspectos:
1) eu não estou conformado com este mundo e não o vejo como um exemplo decente para dar a crianças,
2. O conhecimento é só um meio para ser feliz e é preciso que esta ligação fique bem clara e
3. a disciplina é sobretudo auto-disciplina: fazer a criança depender mais do que deve do controlo dos adultos, não é saudável.
Quem não confia em crianças não é digno de confiança.... digo eu (e não me venham cá acusar de pieguices roussonianas...)
dá sombra a uns
impede o caminho a outros -
árvore da minha rua.
As pessoas que desconfiam das crianças e cuja única preocupação é atafulha-las de conhecimentos, discipliná-las, moldá-las ao mundo, essas pessoas divergem de mim em três aspectos:
1) eu não estou conformado com este mundo e não o vejo como um exemplo decente para dar a crianças,
2. O conhecimento é só um meio para ser feliz e é preciso que esta ligação fique bem clara e
3. a disciplina é sobretudo auto-disciplina: fazer a criança depender mais do que deve do controlo dos adultos, não é saudável.
Quem não confia em crianças não é digno de confiança.... digo eu (e não me venham cá acusar de pieguices roussonianas...)
dá sombra a uns
impede o caminho a outros -
árvore da minha rua.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Arte de amar
Amar é uma arte? Arte no sentido de uma actividade humana criativa, pessoal e algo original? Se é, em que consiste esta arte?
Antes de mais acho que arte de amar se liga ao doseamento. Explico: um sentimento tão dado a fulgores, a arrebatamentos, a êxtases, tem que encontrar uma maneira de perdurar no tempo. Se for só um relâmpago é mais difícil encontrar arte nele... Assim, dosear o amor para que ele por um lado nunca falte e por outro não seja pegajoso nem sufocante, é uma arte.
Mas há ainda outro aspecto da arte de amar: é o cuidado. Não nos compete só amar: temos que cuidar do que se ama em toda a sua plenitude. Do seu corpo, do seu espírito, da sua vida, enfim...
Dosear e cuidar. O resto... ça va de soi...
a violeta
guardou junto ao caule
uma gota de água
Antes de mais acho que arte de amar se liga ao doseamento. Explico: um sentimento tão dado a fulgores, a arrebatamentos, a êxtases, tem que encontrar uma maneira de perdurar no tempo. Se for só um relâmpago é mais difícil encontrar arte nele... Assim, dosear o amor para que ele por um lado nunca falte e por outro não seja pegajoso nem sufocante, é uma arte.
Mas há ainda outro aspecto da arte de amar: é o cuidado. Não nos compete só amar: temos que cuidar do que se ama em toda a sua plenitude. Do seu corpo, do seu espírito, da sua vida, enfim...
Dosear e cuidar. O resto... ça va de soi...
a violeta
guardou junto ao caule
uma gota de água
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Estrelas
o céu estrelado -
debaixo da mão do dono
um gato.
noite de Junho -
todas as estrelas vibram
num grande silêncio.
céu estrelado:
para ver o impossível
só levantar os olhos.
respiro fundo
e olho as estrelas -
que companhia...
cantam os grilos -
as estrelas pulsam
ao seu ritmo.
debaixo da mão do dono
um gato.
noite de Junho -
todas as estrelas vibram
num grande silêncio.
céu estrelado:
para ver o impossível
só levantar os olhos.
respiro fundo
e olho as estrelas -
que companhia...
cantam os grilos -
as estrelas pulsam
ao seu ritmo.
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