terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Fim

acabei o trabalho
ou foi o fim que me encontrou?
um longo cipreste...

da árvore ao chão
a primeira e última vez
que voa a folha.

Manoel de Barros

Há muito que a poesia de Manoel de Barros, poeta brasileiro nascido em 1916, me interessa por três razões: a primeira pela enorme liberdade que tem de abusar da língua levando-a até às portas do erro, em segundo lugar pela ligação que tem à natureza sobretudo aos animais de "ao pé da porta" e por fim pela filosofia "Caeiriana" que embebe os seus versos. É um poeta que sempre recompensa o seu leitor com a visão de uma aresta que ainda não foi limada pelo lugar comum.
E aqui deixo um pedaço que gostei particularmente:


-Para entender nós temos dois caminhos:
o da sensibilidade que é o entendimento do corpo;
e o da inteligência que é o entendimento do espírito.
Eu escrevo com o corpo
Poesia não é para compreender mas para incorporar
Entender é parede: procure ser uma árvore


Manoel de Barros

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

2012

2012
tem um ar redondinho
o número deste vizinho:
simétrico e todo par
e uma dúzia para terminar.

Que fofinho vem no bojo!
Mas que trará no estojo?

Será uma escavadora
Feita mala de senhora?
Será que se fez par
para melhor nos escachar?
Ou será que nos quer dar um sinal
que afinal nada vai correr mal?

Ano Novo:
Que terá dentro o ovo?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Málaga

ficou uma paleta de pintor
esquecida nesta terra...
e hoje o crepúsculo explodiu em cores:
vermelhos, verdes, azuis, cinzentos...
o céu é enorme e leva a todo o mundo.
Pablo: a tua terra era pequena para ti
e tu, apesar de tudo,
fizeste-a crescer

Natal 2

- Ainda dizem que os amigos são raros... eu estou farto de receber mensagens de Natal. E este ano ainda mais que o ano passado que já tinha sido bem bom. Até agora já me mandaram os desejos de calorosas, santas, felizes, fantásticas e prósperas festas um batalhão de amigos do peito. Cito só alguns para saberem: a EDP - Energia de Portugal, a Digal, a Worten, a Rádio Popular, o IKEA, o Corte Inglês, o Corte Fiel, o Giovanni Galli, o Continente, o Pingo Doce,... enfim já nem me lembro bem quantos mais.
Oxalá que não me cortem muito no salário... se mantiver o meu nivelzinho de vida posso continuar a consumir e, enquanto for consumidor, não me faltam amigos. Viva a cidadania pelo consumo! Com sumo?

desfeito o feito
tamborilo na mesa
um fado chinês.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

De hoje

levanta-se o sol -
também debaixo da concha
o caracol espreita.

O primeiro deste ano...

Todos os anos (e já lá vão quatro...) escrevo neste blog sobre o Natal. Quem poderá ficar indiferente a este conglomerado de emoções?...
Hoje vi uma imagem do Pai Natal ajoelhado em frente à manjedoura onde estava Jesus. Fiquei estarrecido com a cena! O Pai Natal (o da Coca -Cola) é colocado no estábulo de Belém, pedindo certamente a bênção de Jesus para o sucesso de vendas. É o paganismo mais grosseiro e o corte com qualquer referência ao Jesus histórico e simbólico.
Recebi há dias pela net a foto de uma linda mulher abundantemente despida mas ostentando alguns símbolos de Natal. A legenda era "ou você prefere aquele velho barbudo?". Não há dúvidas: eu fico com a menina e a resposta é óbvia: o que ela quer vender está à vista e não precisa de fazer o teatro de se ajoelhar à manjedoura...

lágrima viúva
ainda por detrás do sol
toca um clarim.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Senryu

sento-me para jantar -
o cinto de segurança
onde está?

lento o tempo -
é preciso rapidez
para acabar!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sentir de novo

Sentir de novo, etimológicamente seria, ressentir. "Estou ressentido contigo"... Hummmm ndada de bom!
Ressentimento será repetir um sentimento? Um sentimento passado, requentado, vivido, estafado, murcho? "Esta atitude é de ressentimento"... Hummmm nada de bom!
A etimologia parece explicar-nos que o sentir e o sentimento são bons quando são espontânenos, frescos, procurando o novo. Cada vez que queremos sentir o mesmo de antes, ter os mesmos sentimentos de antes, dá asneira... sai ressentimento...

o bom não cansa
tu não me cansas -
eu é que estou cansado.

domingo, 4 de dezembro de 2011

eusices

sentir ao lado quando todos sentem no meio,
olhar o caroço quando só se vêm cascas,
querer sair quando todos querem entrar,
mexer quando é para ficar quieto
pensar quando é para sentir...
voltear em emoções quando é preciso pensar...
Cheira a teimosia
mas talvez também insegurança ou vaidade.
Para mim é o oxigénio da liberdade.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Hairótico

no bolso das calças
vibra o telemóvel -
bem-vinda!

sábado, 26 de novembro de 2011

Haiku de Curitiba

tradinha de Outono -
pelas janelas o ônibus
desfila o mundo.


passa o ônibus:
de dentro e de fora
olhares curiosos.


todos estão a morrer:
uns depressa,
outros devagar.


ondas brancas
o êxtase do mar
chegando à praia


flor da duna:
só colhida
murchou.

Requinte

Re - quintar = levar à quintessência. Mas... onde está o requinte? Falando em gastronomia... O requinte estará num escultural prato de cozinha francesa ou numas favas com entrecosto deliciosas servidas numa tasca?
Todos diremos: na primeira opção. O requinte é o mais nos afasta do desejo, o que mais disfarça o desejo. O requinte encapota o que é a fome, a sensualidade. O requinte afasta-nos da natureza humana, do imediatismo da satisfação dos nossos desejos. No mundo do requinte não há urgência, quantidade, necessidade; tudo é diferido, qualitativo e opcional.
E o requinte popular? Aquele que sem querer ser o é?

Ah... a pétada da rosa!
Quase parece
a do malmequer!

sábado, 19 de novembro de 2011

São Paulo

abro a cortina:
uma janela no betão -
é dia em S. Paulo!

O dinheiro

Um tema sempre interessante é o que compra o dinheiro. Diz-se que não compra a saúde (mas ajuda muito), diz-se que não compra a felicidade (mas ajuda muito...).
Mas há coisas que o dinheiro dificilmente compra: as ausências. O dinheiro coipra presenças, coisas, matérias, serviços e objectos. Mas o dinheiro não foi feito para o nada, para a "não existência". Asim...

comprei uma aparelhagem
e afinal já tinha o silêncio,
comprei um quadro
e afinal já tinha olhado o céu
comprei uma viagem
e afinal já lá tinha estado....
todo este dinheiro
afastou-me mais do que eu queria
e pôs um biombo (mais um)
entre mim e a paz.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Eco

lá longe o eco -
não resta mesmo nada
do trovão.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Como as telhas

assim são as vidas. A nossa vida é protegida por um lado e proteje por outro. Só um bocado da telha vive por si: uma parte vive porque está coberta pela telha de cima; outra parte vive a cobrir a telha de baixo. Agora que a velhice se está a tornar quase tão longa como a infância finalmente podemos cobrir tanto quanto fomos cobertos. Mas a verdade é que quando nos cobriram foi sem condições ou retribuição; nem sempre é assim quando cobrimos...

a telha
desincaixou -
chove na casa.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Desabafo com 170 anos

Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico ? [ ... ] cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis. "

Almeida Garrett, in " Viagens na Minha Terra ", ( 1843 )

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Nevoeiro

Manhã de nevoeiro -
passo a mão no espelho
para fazer a barba.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Diálogo no Porto

- Oh minha senhora: a minha filha está desempregada e com dois filhos. Eu nem durmo de consumida...
- Eu também não prego olho mas é por causa de uma gata branca que tenho e cisma em passar as noites na rua...


falta a chave:
e o imenso palácio
fica inútil!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Inverno...

mar de inverno -
polvilha o bolo de estrondo
o pio das gaivotas.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Contrato Social

JJ Rousseau , o iluminista francês, teorizou o "contrato social". Em duas palavras o contrato que se celebrava entre a sociedade (os cidadãos) e o estado em que a sociedade abdicava de algumas liberdades e reconhecia autoridade ao estado em troca dos benefícios que dele podia receber.
Hoje o contrato social está muito adulterado: cada vez a sociedade abdica de mais e recebe menos do estado... E cada vez se fala mais das liberdades e das responsabilidades: liberdade para fazer o que é obrigatório fazer e responsabilidade para "tirar as castanhas do fogo" a quem as lá pôs...


um gota só
cai na água à noite:
- Quem é?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

How do things change?

A mudança - a paixão de seguir, compreender, influenciar as alterações de estalam dia e noite debaixo dos nossos pés. Porque mudam as coisas? Porque é que não ficam quietinhas a dar aos viventes um norte, uma estabilidade, uma certeza?
Mas a minha reflexão hoje é como é que elas mudam.
Quando era criança costumava ver nas feiras umas máquinas de diversão que consistiam em acrescentar moedas a um monte já existente. A ideia era, como todo o monte se encontrava perto de um buraco, fazer com que as moedas caíssem para nosso proveito. Esta imagem não me sai da cabeça quando penso nas constantes mudanças sociais, educacionais, de valores, etc. etc. Todos nós, os ingénuos jogadores, pensavamos que era aquela moeda que lançavamos com manha e ciência que ia desiquilibrar todo o edifício que lá estava. Mas se observassemos bem a dinêmica do monte, veríamos que quando caíam moedas essa queda era influenciada por micromovimentos em que todas as moedas pequenas e insignificantes tinham tanto protagonismo com aquela moeda que nós pensavamos que iria mudar tudo...
Eu diria para abreviar razões que o importante é não deixar de colocar moedas, mesmo sabendo que o seu efeito não é imediato. How do things change? Slowly and flowing... "Panta Rei".


caiu o pinheiro
mas só corria um ventinho -
finco os pés no chão.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sede

dá sempre saudade
quando o doce da água
desce pela garganta.

ou

fim da saudade -
o doce dss golos de água
pela garganta.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Viajar

Viajar sem sair de casa?
Ver para confirmar que já está tudo visto ou
olhar para o que é comum e diferente?
A grande viagem é sempre dentro de nós:
seja para alargarmos o conhecimento
ou a humanidade.
As viagens, como a vida,
são incessantes e só terminam
quando o bilhete expirar...


este céu
é quase igual
ao da minha terra.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Seguir o mestre ou...

A experiência que acumulamos ao longo da história é útil? Muita gente diria, sem hesitar: "Sim!". (Até se diz que a história serve exactamente para predizer o se vai passar no futuro...)
Mas...
Será que é mesmo útil?
Só duas reflexões:
1) Parece que não porque não vemos indícios de melhoria em qualidade humana nas nossas sociedades. Gestos de altruísmo sempre houve. Nunca a diferença entre ricos e pobres foi tão grande, nunca a conflitualidade humana foi tão mortífera como hoje...
2)Quem escolhe um mestre para seguir de certa forma encontra a certeza do caminho que segue (basta seguir). Não preciso procurar outro: este é "o" caminho. E porque não? Será que a nossa cabeça vale tanto que consegue no meio de tantas ideias e forças encontrar um caminho que nos sacie? Será que os mestres gostariam de ser seguidos ou eles próprios sentiram a angústia e a irrepetibilidade das suas escolhas?


calco as tuas pegadas
mas o teu passo é maior...
será por aqui?

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Aprender

Sempre me interessou o tema da aprendizagem. O que é aprender? Como se aprende? O processo de aprender é diferente conforme as pessoas, os assuntos, as épocas da vida, etc.? E como é diferente? Há padrões? Há regras para aprender? E são universais?
Tantas perguntas e tão sedutoras.
Aqui fica uma reflexão concentrada sobre a aprendizagem:

torno meu o novo
sem escola ou manual,
caminho de cor.

domingo, 2 de outubro de 2011

ao longo e ao largo

A mesma ousadia que fez Prometeu roubar o fogo aos deuses é a mesma que nos guia para levarmos uma vida digna, honesta e decente. Para Prometeu: porque não viver sem fogo? Para nós: porque viver decentemente? Assim e de novo não procurar uma vidinha próspera e longa mas uma vida "que valha a pena ser vivida" ao longo e ao largo, isto é nas suas múltiplas dimensões.

uma bolota!
melhor
é impossível.

duas folhas rijas:
a semente do jacarandá
esconde o roxo.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nélson Mendes

Cada um de nós se lembra do seu melhor professor. Aquele que pelas mais variadas razões nos marcou e todou a nossa forma de sentir e de actuar. Aquele de quem nos lembramos, ainda, das frases, das atitudes e dos ensinamentos.
O meu melhor professor foi o Nélson Mendes. Um homem com uma inteligência fulgurante, com uma persistente actitude de inovação e também com uma postura fraternal. O meu melhor professor faleceu no passado sábado e, eu que contactava com ele menos do que gostaria, fiquei admirado com a falta que ele me vai fazer.
É que cada vez as pessoas criativas são mais raras, cada vez a fraternidade é mais escassa, cada vez o exercício da inteligência é menos frequente.
Das numerosas frases que Nélson Mendes criava cito 3:

"Se houvesse dois narizes iguais, um estaria, de certo, a mais"
"A procura da feliz cidade"
"Se é para-normal de certo que é para mim que sou nornmal..."

Saudades, Nélson!


só o eco
sobra deste trovão -
está lá longe.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Esperança

Na filosofia cristã, pela mão de S. Paulo, a esparança é uma das três virtudes maiores ao lado da Fé e da Caridade (a Charitas que mais adequadamente se traduziria do grego por "amor").
Ter esperança é uma virtude na medida em quesem esparança (sem projecto, sem amanhã, sem expectativa de mudança) a Fé e o Amor ficam mirrados.
Hoje dedico o post à Esperança: que ela, mesmo pequena, nunca nos falte!!!


o cão olha sempre
com a trela na boca
para a porta.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Verão

Alentejo:
a luz do sol
vem das paredes.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Alzheimer

aos que me obrigam a ir a lugares onde nunca estive,
aos que me trocam as horas de deitar e de comer,
aos que mudam o meu programa à última da hora,
aos que duvidam as ideias que eu tomo por certas,
aos carros que me provam que dois minutos não são decisivos,
aos virus e bactérias que me mudam os planos,
à chuva que vem quando eu esperava sol,
a ti que que me pediste para te contar uma história,
a ti que me mostrate que o amor é lento e paciente...
Obrigado.


verde claro -
o lado jovem da árvore
vê-se com o vento.

ou


cheira a Outono -
nem o vento
faz as árvores jovens.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Galiza

Um mistura de sol, de verde, de românico e de afetos. A Galiza é uma terra que por estar longe, se inventou de encontro É lá que portugueses e espanhóis falam sem tradução, é lá que todos os peregrinos (os de Deus e os da vida) se cruzam. Terra de pontes em que o chão é mais parecido com o da nossa terra.
A vida aqui parece mais simples (eu sei que não é, mas parece).

pôr do sol no mar
o farol com dois mil anos
ainda ansioso...

mar oceano!
só o granito o enfrenta
e enlaçam-se.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Meia hora

cinco anos
cinco anos
de sorte e coragem
ajudaram o peixe
a chegar a adulto.
Depois foi pescado.
A seguir cozinhado.
Durante meia hora
foi comido
entre conversas mundanas.
Depois o que sobrou
foi para o lixo
e, peles e espinhas,
durarão uns bons 25 anos
até que se decomponham.
Vamos a contas:
30 anos / meia-hora...
dá 525.600 para 1
Ah... O mundo gira
à volta do umbigo humano.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Outono

Um haiku inspirado num terceto enviado pelo poeta José Guardado Moreira:

na palma da mão
a chuva abre o ouriço -
chega o outono.

(repararam no "outono" com letra pequena? O acordo ortográfico vai chegando...)

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Numa aldeia

Diz-se que o haiku tem de ser completado pelo leitor. Não deve dizer tudo. Encontrar o ponto de equilíbrio entre o dizer tudo e escrever uma charada que ninguém entende. Enfim sugerir.
Aqui fica uma tentativa para sublinhar o carácter sugestivo e incompleto do haiku:

atrás da janela
a begónia e a mulher.
Os olhos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Coragem

Recebi uma apresentação por e-mail com frases de Fernando Pessoa. Todas falsas e a tresandar a livros baratos de auto-ajuda. Mas... até com estas frases falsas se pode aprender (se estivermos para aí virados, digo eu).
O tema fundamental era a esperança; a importância da esperança como antídoto ao envelhecimento. A esperança que há algo a fazer, alguma coisa a mudar, um passo a progredir, uma causa para nos convocar. E eis que vi a ligação desta esperança (quase sempre apresentada como seráfica e passiva) com a coragem (a força interior, a determinação). Afinal, para que serve uma sem a outra? (Coragem desesperançada? Esperança desencorajada?)
A esperança é o destino e a coragem o caminho para lá chegar. Mas cada passo do caminho precisa de esperança e é necessária a coragem para levantar os olhos para lá. Lá longe.

tudo caiu!
a criança recomeça
com um sorriso.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Coração

Quantas funções foram atribuidas a este músculo trabalhador que nos faz circular a energia no corpo. Apesar de hoje sabermos que há órgãos com uma essencialidade semelhante, o coração continua, pelo menos no nosso vocabulário a ser o centro (o "core") do nosso eu.
Queria hoje lembrar a palavra "coragem". Que vem de "coração". Ter coragem = ter coração. Não é uma questão de inteligência, de interacção ou de força física: ter coragem é ter a virtude do coração, aquela que nos faz superar o medo, assumir riscos (nem que seja o risco de remoer o tédio).

como ontem -
o pardal acordou
sem saber o que ia comer.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Brasil

Quando se sobe de avião no Brasil pode-se procurar S. Paulo olhando para cima (os mais místicos) ou olhando para baixo (os mais pragmáticos). Eu olhei, desta vez para o S. Paulo "lá de baixo" a partir de Congonhas para Uberlândia...


do alto da noite
linhas brancas e vermelhas
e o céu no chão.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Post Scriptum

Hoje, dia 16 de Agosto de 2011, depois de ouvirmos toda a retórica sobre a conservação da natureza, a poupança de recursos naturais, a pureza do ar, a exaustão dos recursos do planeta, as alterações climáticas, os gazes de efeito de estufa, a poluição, a iminência de catástrofes humanitárias e ecológicas devido à sobre utilização dos recursos dos combustíveis fósseis,.... depois de tudo isto...

1. Li os 3 maiores jornais do Brasil. Estão repletos de publicidade de página inteira aos novos SUV e outros automóveis e... NÃO HÁ UMA ÚNICA REFERÊNCIA AO CONSUMO DOS CARROS NEM AO CO2 QUE ELES LANÇAM PARA A ATMOSFERA.
2. Dizem-me que um destes SUV lançados recentemente (O "carro da moda") faz 4 km por litro, isto é 25 litros aos 100 km.

Estão mesmo a gozar connosco!!! Incrível, não é? É só para acreditarem mesmo naquela questão das linhas paralelas que falei no post anterior...

Brasil again 1

As linhas paralelas. As tais que nunca se encontram (só na nossa errada percepção confluem, lá no fundo). Linhas paralelas entre uma sociedade que fala de direitos, de cuidados, de respeito, consideração, de tratamentos preferenciais ,de dignidade, de humanização , de direitos inalienáveis, etc. Isto é uma linha. Na outra está a desigualdade, o egoismo, o preconceito, o trabalho quase escravo, a escola péssima ao lado da escola dos ricos, os gigantescos fossos entre as pessoas. Linhas que nunca se encontram. E até, apesar da boa vontade reconstrutiva das nossas imagens visuais, não se encontram. Cada vez se afastam mais.
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?
É o desenvolvimento? Que desenvolvimento?

sol no horizonte.
Perguntam-me:
Que estás a fazer?

Brasil again.

Hoje num parque urbano em Jundiaí, estive a dar de comer a saguis que andavam lá por cima de uns pinheiros num parque de merendas. E de repente, num cenário urbano aparece uma realidade tão estranha a um europeu que não deixamos de nos sentir exóticos. Como dizia Miguel Torga a respeitos dos alentejanos, é preciso ser uma pessoa de grande estatura para se enquadrar e dominar os grandes espaços. É isso que se sente nos brasileiros cuja simpatia e afabilidade não deve fazer esquecer a grande dimensão que têm para conseguir ocupar e habitar harmoniosamente espaços desta dimensão.


o sagüi
era a única coisa pequena
à vista.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Os de hoje

no recreio da escola
o pinheiro tem as pontas
verdes, verdes.


O castanheiro
espalhou no chão o alarme
para o seu sono de Outono.

domingo, 31 de julho de 2011

José Marins é um dos estudiosos de poesia haiku mais dedicados e competentes. Ombeia com os grandes especialistas internacionais do tema.
José Marins (de Curitiba, Brasil) acaba de divulgar um texto que certamente será precioso para quem queira compreender e iniciar-se no haiku.
E aqui fica com o cumprimento e uma homenagem ao sutor:



Breve poética da leitura de haicai

Quem se interessa pelo haicai descobre que é um poema dedicado à natureza, ao meio ambiente (para usar uma expressão da atualidade).

O leitor de livros de haicai exigente procura saber mais do pequeno poema, conhece dele a estrutura (redondilhas menores e maior), a ausência de rimas, mas conta os sons na métrica, dispensa o título, privilegia a linguagem simples.

Nota que o poema traz um efeito, um sentido no leitor, nas leituras sugeridas, seja uma cena, uma ação, um gesto, um canto de pássaro, o zinir do vento, o prateado do orvalho.

O haicai é um diálogo.

O poeta já se foi e deixou um bilhete, o poema, aos olhos do leitor.
Captar o sentido que nem sempre está explícito, porque pode estar sugerido, é o deleite de sua leitura.

O poeminha não é feito de mínimo para alcançar o máximo. A pequenez de seus três versos busca a brevidade do instantâneo, o sucinto, o essencial. Ele não busca o máximo de sentidos, mas tão somente um número limitado de efeitos de si para quem o lê. Às vezes apenas aponta para um cisco na cena. Os grãos amarelos de pólen nas patas pretas da abelha.

A fulgor do haicai, que pode durar séculos, é a de uma estrela cadente, o piscar do pirilampo na escuridão, o som da rã ao mergulhar.

Quem quiser polissemia de palavras, múltiplos significados metafóricos, infinitas leituras, deve buscar outro tipo de poema. O haicai não existe para significar issos e aquilos, não há interpretação para se fazer, nem sentidos ocultos. O que temos para ler do poeminha está nele, brilhando como uma gota de orvalho que de súbito escorrega de cima de uma folha.

Se tivéssemos que conhecer todos os contextos, as cenas haicaísticas, os momentos, dos quais se capturaram os haicais, não poderíamos ser seus leitores.

O pertencimento a uma estação ou a outra é dado pelo kigo. O termo sazonal que nada explica, mas situa a vivência do poeta e a ecologia do poema. Mas ninguém é obrigado a saber a lista de termos de estação para ler haicai.

Um chavão entre os poetas do haicai, que soa como advertência, é: o haicai que precisa de explicação, não é um bom haicai.

Porém, confesso: como leitor eu gosto de explicações e histórias a respeito de haicais.
Assim, por exemplo, quando leio este haicai de Bashô:
-
vai-se a primavera –
os pássaros lamentam-se,
os peixes choram
-
O poema tem o suficiente, funciona sozinho e sustenta a minha leitura.
Mas é inegável haver nele uma atmosfera dramática. Seria o exagero uma antevisão do inverno que se avizinha?
Um tradutor espanhol (Fuente) escreveu: “O final da primavera entristece Bashô, que sente as aves e os peixes participarem de seu sentimento.” Pode ser.

Entretanto, este poema inaugura aquela que é considerada a mais importante viagem deste poeta peregrino. Quando está prestes a partir, ele sente tristeza e apreensão. Os amigos o acompanham em barcos até o início do caminho por terra. Ali ele se despede com “lágrimas de adeus”. Depois de anotar o poema, Bashô escreve no diário: “Este poema foi o primeiro de minha viagem. Pareceu-me que eu não avançava ao caminhar. Tampouco as pessoas que tinha ido se despedir de mim se afastavam, (...)”

Querer que o haicai seja outra coisa que não ele mesmo, com suas características técnicas e artísticas, é a pior forma de leitura que se faz, infelizmente do poema. Compará-lo, por exemplo, à arte plástica para dizer que o haicai é muito “figurativo” e pouco “abstrato”, é uma forma de ignorar a riqueza de sua linguagem. Ou não teríamos um haicai, por exemplo, como este de Bashô:
-
escurece o mar –
a voz dos patos selvagens
vagamente branca
-
Aqui o poeta contrasta o escuro do mar com o branco dos gritos dos patos, ou seja, utiliza da sinestesia, um recurso sofisticado da linguagem.

Não estou dizendo que o haicai tenha que ter sofisticação. Sua afirmação como poema específico na poesia universal é secularmente definida. Sua linguagem continua sendo simples, nossas leituras é que precisam ser aprimoradas.
-
noite de invernia –
o silêncio por pouco
sem o som do rio
-
josé marins

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O sobreobjectivo

"Sobreobjectivo" é uma palavra que inventei para designar aquilo que está "por cima" do "objectivo". Chamar às nossas ideias sobre o mundo "subjectivas" é uma grande falta de respeito por elas.

O que se pensa
tem um princípio e um fim,
uma categoria
e pode ser avaliado
por qualquer pessoa
que nem conheça o assunto.
Mas o que se imagina...
bem... tudo é possível,
desliza como gelo sobre gelo.
É impermanente, voa, viaja
e faz da Física um anacronismo.
Ah! E só se pode julgar no afecto.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O tamanho dos sonhos

De que tamanho são os nossos sonhos? (tamanho pode ser substituido por dimensão, profundidade,nobreza, etc.) Recebi hoje este texto do meu amigo Adilson:

"A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos....
O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum... é amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos".

Eu acho que "gente mais ou menos" somos nós quando barateamos os nossos sonhos e quando (por comodismo, perguiça ou conformismo) achamos que "já está bem assim". Ora a questão é que NÃO está bem assim! Não ser "mais ou menos" é olhar para o nosso mundo e para a nossa vida como se fossem um estaleiro de obras.


na mão da criança
a bola de trapos
é oficial.

A secura dos pavões

na relva seca
um pavão de cauda aberta
só, no jardim.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Pica-Pau


Grande engano: o pássaro não pica na madeira por capricho: é por obrigação. A ideia é comer os insetos que estão sob a casca da árvore. Picar no pau é o caminho para comer. Mas a Natureza enfeita sempre estas ações tão prosaicas: inventou um pássaro lindíssimo, um som de música japonesa e mesmo um ritmo.
Foi isto tudo que motivou a Ivany Lima a fazer esta foto num parque do Brasil.
Obrigado!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Uma oliveira

Dos noticiários: em Portugal há uma oliveira com 2.860 anos em Santa Iria da Azóia. Contadinhos e certos. Esta árvore viveu durante toda a passagem da civilização ocidental. Em pequena, estava o império egipcio florescente, estavam os fenícios a preparar-se para construir o seu poder comercial no Mediterrâneo, estavam os etruscos, os aqueus e os cretenses em vias de começar algo que só floresceria muito mais tarde.
E se as folhas pequeninas desta árvore ainda tão imponente, olharem para o céu vêm que nele nada mudou. E se esta oliveira fosse um filósofo talvez nos dissesse que não só o céu não mudou: os homens também não mudaram muito. Hei-de ir abraçar esta oliveira com a emoção de quem abraça um ente querido que mesmo que não nos entenda sabe tudo sobre nós.

Ah o vento da noite...
a oliveira vira as folhas
como se fosse novo.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Egoismo

Já aqui disse que gosto da frase irónica de Jean-Paul Sartre que "o inferno são os outros". Hoje apetece-me dizer que "o infeno afinal somos nós". O contacto com os outros é o essencial espelho para nos vermos a nós. Um exemplo: se uma pessoa que consideramos nossa amiga (amiga mesmo) faz algo que consideramos moralmente menos correto, este é um bom exemplo para vermos as coisas que somos capazes de fazer. Se um amigo meu (pessoa com quem me identifico fraternalmente) infringe (por egoismo, por egocentrismo, por negligência, até mesmo por uma vingançazinha) um código moral que eu acho certo, que serei eu capaz de fazer? Pelo menos o mesmo, se não for pior.
O inferno afinal não são os outros; somos nós e os outros, somos todos. Por um palmo de terra, por um olhar que consideramos menos respeitoso, por um tom de voz, por um esquecimento banal, por uma palavra, temos o caldo entornado e o nosso Ego agiganta-se. (Coitados de nós! Quanto mais finitos e pequenos, mais arrogantes...)

a fomiga parou
à espera que a erva
saísse do caminho.

domingo, 10 de julho de 2011

Acreditar nas crianças

As posições sobre Educação talvez se pudessem - de forma muuuuuito genérica - agrupar à volta de dois pólos: as que acreditam nas crianças, no seu potencial, na sua integridade como ser humano e as que acreditam na sua incompletude e no seu déficit. Claro que eu estou atraído pelo primeiro destes pólos.
As pessoas que desconfiam das crianças e cuja única preocupação é atafulha-las de conhecimentos, discipliná-las, moldá-las ao mundo, essas pessoas divergem de mim em três aspectos:
1) eu não estou conformado com este mundo e não o vejo como um exemplo decente para dar a crianças,
2. O conhecimento é só um meio para ser feliz e é preciso que esta ligação fique bem clara e
3. a disciplina é sobretudo auto-disciplina: fazer a criança depender mais do que deve do controlo dos adultos, não é saudável.
Quem não confia em crianças não é digno de confiança.... digo eu (e não me venham cá acusar de pieguices roussonianas...)

dá sombra a uns
impede o caminho a outros -
árvore da minha rua.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Arte de amar

Amar é uma arte? Arte no sentido de uma actividade humana criativa, pessoal e algo original? Se é, em que consiste esta arte?
Antes de mais acho que arte de amar se liga ao doseamento. Explico: um sentimento tão dado a fulgores, a arrebatamentos, a êxtases, tem que encontrar uma maneira de perdurar no tempo. Se for só um relâmpago é mais difícil encontrar arte nele... Assim, dosear o amor para que ele por um lado nunca falte e por outro não seja pegajoso nem sufocante, é uma arte.
Mas há ainda outro aspecto da arte de amar: é o cuidado. Não nos compete só amar: temos que cuidar do que se ama em toda a sua plenitude. Do seu corpo, do seu espírito, da sua vida, enfim...
Dosear e cuidar. O resto... ça va de soi...

a violeta
guardou junto ao caule
uma gota de água

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Estrelas

o céu estrelado -
debaixo da mão do dono
um gato.


noite de Junho -
todas as estrelas vibram
num grande silêncio.


céu estrelado:
para ver o impossível
só levantar os olhos.



respiro fundo
e olho as estrelas -
que companhia...


cantam os grilos -
as estrelas pulsam
ao seu ritmo.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Lua

toda a luz do sol
cabe no corpo pequeno
da lua cheia.

Responsabilidade

É talvez a expressão mais sagrada da biblia liberal. A responsabilidade individual. Já que a liberdade está garantida (há campanhas, elições, não há censura nem polícia política, a justiça é independente,...) pode-se descarregar responsabilidade nos ombros dos indivíduos. " Tens opção, por isso se estás assim é porque usaste mal a tua responsabilidade e a liberdade que te foi dada". Pobre Zé Ninguém depois de tudo o que aconteceu ainda é por sua culpa...
Lembrei-me desta reflexão ao constatar que todo o o nosso aparelho democrático que elege os nossos deputados, presidente, etc. está vergonhosamente dependente das tais agências de "rating". Diz-se "Não os enervem, não os chateiem senão é pior!". Mas quem são essas agências? Quem elegeu os seus directores? Quem sufragou as suas opções? Ninguém. Elas são o poder nú, real e impiedoso do dinheiro sobre a política. E aqui vemos a armadilha da liberdade e da responsabilidade. E temos que fingir que acreditamos que é verdade...


detrás do cenário
os barrotes e as ripas -
seguram um jardim.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O tempo ainda

Duas citações: uma da Rainha Vitória no leito de morte a suplicar "Só mais um minuto"; a outra de José Saramago a responder à questão: "O que é que ainda precisa depois de uma vida tão cheia de sucesso?". Ele respondeu "Tempo".
Quando nos apercebemos que o nosso tempo é finito e breve e que a vida tal como a conhecemos teve uma longa existência sem nós e terá uma longa existência também sem nós, percebemos o quão precioso é o nosso tempo de vida. Cada texto desproveitado, cada espera sem resultado, cada momento que consumir as nossas energias e que não produziu nada de útil ou prazeiroso para nós ou para os outros, é um tempo desperdiçado.
Mas o mais dramático é o seguinte: mesmo que tivessemos aproveitado cada segundo da nossa existência o tempo fugir-nos-ia da mesma forma. Talvez mesmo mais porque sabendo o quanto ele pode render saberíamos melhor o que é perdê-lo. O tempo - agora mais que o espaço - está no centro da nossa limitação como humanos e, por isso, tentamos tão afincadamente (e tão inglóriamente) lutar contra a sua passagem.


queima a partida
suga a chegada...
que caminho resta?

terça-feira, 14 de junho de 2011

Como diria o Sérgio Godinho

Hoje fiz um novo amigo: Reinar Oschewsky: um educacdoer alemão que como eu é formador da École Superieure D'Éducation Nationale (Poitiers - France). Famos longamente sobre o tempo a própósito de um artigo publicado na revista GEO sobre o mesmo tema. Ele perguntava que se há tantas concepções de tempo porque é que vivemos e sujeitamos as nossas crianças na escola e na vida a um ritmo que nos torna doentes e escravos de um aparelho (o relógio pessoal) que só foi inventado no sec. XIX?
Quanto tempo leva a comprar um selo em Portugal? E na Alemanha? Quanto tempo leva a percorrar 100 metros em Nova Iorque? E em Lima? E há povos para quem o futuro e o passado não fazem sentido porque o tempo é circular.
E eu que pareço o coelho da Alice "sempre atrasado!...sempre atrasado!", lá vou ouvindo e falando a ver se alguma vez isso se converte em atitude.

estou atrasado
para as três horas de espera
no médico.

sábado, 11 de junho de 2011

Hoje há estética

Falava ontem com o meu amigo e compositor João Nascimento. Falavamos da valorização da obra (de arte) que se produz. Perguntava ele: quem é que é qualificado para sancionar alguma produção como boa, "artística", original, etc.
1)A história está recheada de enganos clamorosos que levaram a incensar mediocridades e a esquecer obras geniais.
2)Também não é muito de confiar no "tempo". Quantas camadas de terra lançou este "tempo" sobre obras que mereceriam fazer-nos assídua companhia?
3)E a crítica? Bom disso é melhor nem falar... Quantas vezes a crítica do tempo falha cruelmente as suas apreciações em nome de interesses ou gostos locais e mesquinhos?
- Em quem repousar pois? - perguntava o meu amigo.
E eu acho que é em nós, nos criadores sejam eles do tamanho que forem. Cada um é o melhor avaliador da sua obra. E, se não for megalómano ou deprimido, fará uma avaliação do que faz muito perto do que a obra vale. Quem poderá melhor julgar as intenções, as dificuldades, a mensagem, as ambiguidades? É o autor. E se não for ele... a obra fica à deriva, à espera que alguém lhe dê um sentido que o autor não lhe conseguiu dar.


escolhido pela abelha
o alho porro olha
as violetas.

Hoje

um chapéu de jornal
e a criança é um general -
feliz...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Tempo

cresce o vento -
as folhas do calendário
voam rápidas.


parado -
agora vê-se que o pião
está partido.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

De hoje...

alba de Verão -
o dia já parece
curto.


o cruzeiro
entra no porto
frente ao sol nascente.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Yvette Centeno de frente para o Mar

Não adianta sublinhar a grande admiração que tenho pela postura humana, crítica e académica de Yvette Centeno. Yvette é uma daquelas pessoas de quem sempre se espera o melhor e que sempre nos surpreende porque é melhor do que o que nós esperávamos.
No seu blog (literaturaearte) publicou em Novembro de 2010 (faz agora 6 meses) um texto sobre o livro "De Frente para o Mar" que eu organizei e que Yvette honrou com a sua participação. E aqui fica o texto (Obrigado, Yvette!)



Este livro, concebido e coordenado pelo poeta e orientalista David Rodrigues, com o belo título que nos faz olhar de frente para o mar, seja na vaga inquieta da emoção ou num embalar mais suave de alma, é a minha escolha de momento.
Precisamos da meditação que a arte do Haiku japonês nos ensina : olhar atento, distância, aprofundamento, na era de vertigem que é a nossa.
Encontro, junto de David, amigos de outrora e de sempre.
Também o reencontro é algo de benéfico: fala da vida continuada.
Abrir o livro e ler, em páginas de acaso, permite descobrir como a escolha foi cuidadosa, como a unidade é íntima, é perfeita, em todos os elementos.
Uma tal sensibilidade e elegância merece, da nossa parte, o destaque e a gratidão.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Palmas

Palmas: o sonho dos artistas. O sonho de todos os que gostariam que o seu trabalho fosse reconhecido. Trabalhar só para as palmas é uma preversão, encher-nos com uma salva delas, é uma recompensa.
"Ele há tantas palmas": palmas jovens, estaladas, frequentes e ávidas. Há outras maturas, sapudas, esparsas e algo distantes. Umas e outras sabem bem a quem sabe que as palmas mais verdadeiras são aquelas que irrompem na nossa cabeça quando sentimos que fazemos algo de bem ou de bom. O resto é "a espuma dos dias"...


acabou a música
voaram os pombos
o cego agradeceu.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sol e sombra.

teu corpo de sol:
tudo gira à tua volta
à sombra do plátano.


your sunny body:
everything turns around you
at the plane tree shadow.



debaixo da torneira
a relva é mais viçosa -
tardinha de verão.


under the tap
the grass is more green -
Summer afternoon.

sábado, 21 de maio de 2011

Tá na hora do Jacarandá!

Todos os maios, pontualmente, Lisboa fica roxa de flores do jacarandá. Avenidas inteiras, grupos de três ou quatro, árvores a assumar a rua, eles lá estão. Pontuais, fieis, esperençados na regularidade e embaixadores da beleza. Não há elo mais espalhado que ligue Lisboa, a cidade das descobertas ao Brasil o país das descobertas...


manhã de Maio -
o carro está coberto
de flores de jacarandá.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Haikus Brancos

a flor branca
só depois da noite
sabe a cor que tem.


na espuma da praia
por baixo no branco
todo o arco íris.


um ponto na folha branca -
não consigo
ver mais nada.


vi no catálogo
quantos brancos
tem a tua pele.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Trovoadas

sobre a pele húmida
as primeiras gotas -
eu e céu aliviados.


as árvores paradas -
sob o céu de chumbo
esperamos a chuva.


á chuva
parte as protecções do trovões
depois, soam soltos.


começa ao longe
como um restolho -
a labareda é aqui.


abre as fontes
e grita por mim:
oh trovoada!

sábado, 14 de maio de 2011

Monica Martinez

Monica Martinez, haijin brasileira de mérito, autora do blog espacodohaicai.blogspot.com (a visitar!) escreveu o seguinte sobre o livro "De Frente para o Mar":


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Livro traz haicais de Portugal

Ao abrir a caixa de correspondências hoje tive uma surpresa: um envelope A5 vindo de Portugal. Nele, o livro De Frente para o Mar – poesia haiku contemporânea, organizado pelo professor universitário, músico e poeta David Rodrigues, de Lisboa, e lançado pelo selo Palimage, de Coimbra.

A capa elegante, vermelho sobre negro, chama a atenção. Na hora do almoço, li o conteúdo do princípio ao fim. Descobrir o haicai feito hoje em Portugal é uma experiência encantadora.

Ela me lembrou da vez que fui participar de um congresso na Ilha da Madeira. Além da paisagem exuberante, recordo-me da sensação muito peculiar de se visitar um país do mesmo idioma. Há uma familiaridade gostosa, afinal várias palavras e hábitos são os mesmos. Vários, mas não todos. Assim, ocorre uma sensação de se estar em casa e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, de se estar em uma deliciosa viagem. Qual o sentido da palavra nortada? E da expressão rasa à água? Algo como expresso pelo filósofo e crítico literário alemão Walter Benjamim (1892-1940) quando ele fala das duas famílias de narradores, representadas pelo camponês sedentário e pelo marinheiro comerciante.

Em pouco tempo, percebi que a emoção foi mais forte que a razão. Não importava desconhecer o significado desta ou daquela palavra. A experiência poética ultrapassava estes limites da linguagem e as imagens puras e cristalinas que haviam impressionado os dez autores desta antologia atravessavam o mar e me atingiam em cheio.

Tomo a liberdade de compartilhar uns poucos haicais da coletânia. Alguns são próximos dos haicais puristas japoneses, a moda de Bashô, como praticamos no Grêmio Haicai Ipê de São Paulo, com sua métrica precisa:

A escarpa agreste –
Malmequeres amarelos
Respirando o mar
Leonilda Alfarrobinha

pôr-do-sol no mar!
Só o olhar fica para cá
Do horizonte.
David Rodrigues

Anoitecer de Setembro:
Um casal abraçado
Na varanda
Yvete Centeno

Outros, libertos da métrica, flutuam como o do poeta Albano Martins, professor da Universidade Fernando Pessoa, do Porto:

Diz o vento
Ao mar: sem mim,
não podes voar.

Ao terminar a leitura, fica o deslumbramento pela produção destes poetas portugueses que buscam a difícil arte de forjar em palavras o essencial, como pedem os haicais.

Por fim, lembrei-me que Benjamim falava que o sistema corporativo medieval contribuiu para a interpenetração das duas famílias narrativas, uma vez que o mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma oficina. Para o alemão, haviam sido os mestres artífices que haviam aperfeiçoado a arte da escrita. Fiquei a imaginar como seria uma mistura de haiku brasileiro e português contemporâneo, dos haikais de lá com os haicais de cá. Mas isto é conversa para outra hora, que agora vou reler este livro com a merecida calma, pois vale muito a pena!

Monica Martinez

sexta-feira, 13 de maio de 2011

World Anthology About War

O poeta Dimitar Anakiev da Eslovénia está a organizar uma antologia mundial de poesia Haiku sobre a guerra. Convidou-me para participar e eu mandei-lhe alguns poemas do meu livro "Gaza" que vão integrar a antologia. Quando ela vir a luz do dia, dou aqui a informação.
E fica aqui um destes haiku:

previsão do tempo -
alguém sabe o futuro
em Gaza.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O raio dos hábitos

"Raio dos hábitos" é como poderíamos traduzir em linguagem popular o conceito sociológico de "naturalização". "Naturalização" quer dizer em duas palavras que nós. pelo hábito, assumimos como naturais coisas que, se pensarmos bem nelas, são profundamente absurdas.
Ontem tive o exemplo da validade das certidões. Todas as certidões que se pedem têm uma validade (normalmente de 3 ou 6 meses). Isto é normal e natural para nós mas ficam três perguntas:

Uma certdão de nascimento caducada quer dizer que o indivíduo regressou ao ventre da mãe?
Uma certidão de casamento caducada significa que o indivíduo ficou solteiro (ou divorciado ou viúvo)?
Uma certidãode óbito caducada quer dizer que o indivíduo ressuscitou?


A viver assim na companhia de absurdos como é que nós podemos ser melhores do que o que somos?

segunda-feira, 9 de maio de 2011

3 ideias sobre livros

Tanto se escreve nos livros e sobre os livros que estas 3 ideais correm o mais que previsto risco de serem banais. Mesmo assim...
1. Um livro, seja qual for, vive para quem o lê. Sem leitores o livro não é mais um maço de folhas de função desconhedida. O livro é um objecto intrinsecamente incompleto. Recentemente visitei nos Açores um "outlet" de livros. Foi uma visita muito perturbadora: num armazém estavam milhares, muitos milhares, de livros a que vulgarmente se chama "monos". Livros novos, lindos, bem encadernados e com um design atraente: mas nunca abertos. Podem crer que fiquei verdadeiramente triste.
2. Mesmo quando vive o livro é intrinsecamente efémero. Ao ler o leitor salta páginas, parágrafos e às vezes capítulos. Mas este livro adquire no final o estatuto de "lido". Quantas vezes relemos um livro já "lido"?
3. Apesar de incompleto e de efémero o livro é um poder. É o poder de saber o que ele diz, o poder de o ter (e poder vir a saber mais tarde) o poder de guardar e ter o conhecimento que ele tem.



castanheiro em flor -
quantos livros
estão em ti?


tento adivinhar
o que vai ficar escrito
no tronco do eucalipto.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Os nós e os laços

É este o belíssimo título do romance de António Alçada Batista. Um título tão inspirados que continua a ser usado quando se pretende falar de afectos.
Aqui fica mais uma variação:

Nós somos os nós e os laços
Temos laços e temos nós.
Os nós são caroços de afecto,
o amor em grumos que não se dissolveu.
os laços são os nós do querer
os que se dão por vontade
e que enlaçam.

Quando entardece
passamos os dedos pelos nós
e perdemo-nos no olhar
a fazer e a desfazer laços.
Laços provisórios
que ficam ou de partem.
Mas são eles, os frágeis
que mais resistem e mais amparam.
É que a esperança dos nós
resume-se à lâmina.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Computhaiku

Já sei que este blog se publica em português. Mas não resisti a publicar esta notícia saída no jornal inglês "The Independent". Não resisti e tive perguiça de a traduzir.
Mas vale a pena let e visitar o site. Basho deve levantar suavemente a sobrancelha ao ouvir que os computadores já nos podem ajudar a escrever um haiku!!!






Web-only Haiku Laureate
By Matilda Battersby
Arts
Tuesday, 3 August 2010 at 5:31 pm

Haiku is a form of Japanese poetry consisting of 17 syllables (or moras) in three lines of 5,7 and 5. Poetry lovers reading this will no doubt conjure quotes from Bashō and enjoy quibbling as to whether “syllable” in English is the correct translation of an “on.”

But now there is plenty more to be quibbled with from a website calling itself the Haiku Laureate which generates the strictly formatted verse via internet algorithms and not through inspiration of truth or beauty.

The site’s concept is this: users can type the name of a place or an address into a text box, click “go” and a perfectly formed Haiku will be delivered after the system has used Flickr to find images near that location and skimmed through the titles of those images to form a list of words associated with it.

I typed in High Street Kensington, where The Independent’s offices are located and this is what it came up with:

kensington the street
high london of gardens roof
whisper and no church

Apart from the fact that there are several churches on High Street Kensington the poem is pretty evocative. And the reference to “gardens roof” has more to do with the posh members club than any actual gardens on roofs in the vicinity.

I typed in “Outer Hebrides” in an attempt to confuse the Haiku laureate, and within seconds it produced:

the lewis sunrise
and snow mountains majestic
of harris cairn wire

Poets beware.

domingo, 1 de maio de 2011

CC Zero

Parece ser do senso comum que se vende um produto por aquilo que ele tem ou que faz. Digo "parece" porque as preocupações ambientais e de saúde começam a deixar de publicitar artigos "com" e começam a anunciar artigos "sem" (sem corantes, sem sulfitos, sem açucar, sem..., sem...,)
Mas agora atingiu-se um novo paramar: ia comprar um refrigerante que se chamava "zero"! E zero porquê? Porque não tinha açucar, não tinha cafeina, enfim não tinha nada o que tinha tornado conhecido esse refrigerante. E custava um euro e 35 cêntimos. Eu pensei "Vou pagar este dinheiro por um artigo que se anuncia a si próprio como um zero?".
Passada a primeira decepção lá me dirigi à caixa do supermercado com dois zeros debaixo do braço...


ar da montanha -
o que não vem no programa
é o melhor.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 de Abril

37 anos depois do primeiro 25 de Abril quero celebrar e comemorar todas as realidades e utopias que o 25 de Abril soltou. Talvez nada melhor para resumir este sonho que a última canção que José Afonso editada no disco "Como se fora seu filho" em 1983. Aqui fica como meu estremecimento e com a minha "pele de galinha" quando a leio:


Utopia


Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

domingo, 24 de abril de 2011

Domingo de Páscoa

Até os evangelhos são prudentes: quando o corpo de Jesus não é encontrado no túmulo,aventa-se a hipótese: "Será que o roubaram?". Trata-se de uma pergunta "de efeito" só para tornar mais forte a conclusão que o corpo de Jesus não foi roubado: ressuscitou. A ressureição de Jesus tornou possível, ainda que simbólicamente a grande esperança do cristianismo: a vida eterna e com ela a justiça sobre os nossos actos. Já S. Paulo escrevia: "Se Jesus não ressuscitou, é vã a nossa fé".
Claro que a ressureição dos mortos levanta problemas incompreensíveis para a nossa diminuta inteligência e, tal como a re-incarnação, coloca um sem número de questões sobre o possível modo com pode acontecer. Mas adiante...
Hoje, Domingo de Páscoa de 2011 quero celebrar duas coisas:
1. O facto de se celebrar a "ressureição" do Jesus que disse "Bem-aventurados os mansos de coração porque deles é o reino dos céus" ou ainda "Fazei aos outros o que gostariam que vos fizessem a vós". É uma grande esperança pensar que um Homem destes e sobretudo os seus valores, não morreram.
2. Quero ainda celebrar a vida. A nossa vida. Tão curta, tão incerta, tão desperdiçada, mas mesmo assim tão única e tão preciosa. É lógico que não nos conformemos com o seu fim: ela é tudo o que realmente conhecemos, ela é tudo o que podemos ter alguma evidência que existe.
A morte e a ressureição de Jesus tornou-se uma fantástica parábola sobre o nosso tempo e continua a ser uma das estreitas janelas por onde pode escapar a nossa esperança.


há mil anos
a oliveira ressuscita.
todos os anos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma variação

O carácter espentâneo do haiku verifica-se quando se capta o indizível discernimento sobre "aquele" momento. Depois desta captação, traduzir o que se intuiu para palavras, não tem muito de espontâneo: na minha opinião é um trabalho de relojoeiro (do tempo em que os relojoeiros não só vendiam relógios mas que os sabiam reparar). Por vezes transportamos connosco uma ideia que pode ser um haiku durante muito tempo. Mesmo depois de o escrever, ficamos em dúvida. Eu fico sempre em dúvida mesmo depois de ter escrito a décima versão...
Aqui fica uma segunda versão de um dos haiku de ontem. Que se ganhou? Talvez um ambiente mais perguiçoso e de crepúsculo, talvez uma maior sensualidade, talvez uma indeterminação que pode estimular o pensamento do leitor (os dedos são de quem?)
Aqui fica:

tarda a noite -
os dedos lentos
à volta do copo.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

3 de hoje

devagar para longe
ou rápido para perto?
tartaruga ou lebre?



fim de tarde
lento, à volta do anel,
o teu dedo.



das tuas mãos
recebo o livro de filosofia -
nem sei o título.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O tempo e a passadeira rolante

Durante a nossa vida
temos a andar, ao nosso lado,
uma passadeira rolante.

Quando nascemos,
não a conseguimos acompanhar:
não fossem os adultos
e ficaríamos
lá,
muito atrás.

Depois crescemos.
Ficamos fortes e rápidos.
Tão rápidos
que até pensamos
que a passadeira
de tão lenta
nunca vai sair do sítio.

Mas...
mais tarde, quando os anos passam
a passadeira volta
a andar mais depressa.
Já não a acompanhamos:
andamos ao seu lado
a passo
e, mais lentos,
aproveitamos para olhar
o nosso caminho
e o dos outros.

É da natureza da passadeira
ser constante
e nunca parar.
Pertence à nossa natureza
ser irregulares
e ter de parar...
um dia.

sábado, 9 de abril de 2011

Adília Lopes

No livro "Resumo - a poesia de 2010" editado pela FNAC e que custa (oh excepção!) 4 Euros, estão publicados alguns poemas da poeta(isa?) Adília Lopes. Não tendo a forma de haiku são poemas que estão impregnados da filosofia do instante, da síntese e da natureza. Com a devida vénia, transcrevo três deles:


À noite
com a iluminação pública
as sombras dos choupos
nas cortinas das janelas
da minha sala


Na vida e no poema
dar menos um passo.


A minha varanda velha
com quatro gerânios velhos.


Muito lindo!

Caracóis...

- Foge! Vem aí a águia!
- Se me tivesses dito ontem...
disse o caracol.

O ninho da garça

"The Heron's Nest" a excelente revista de haiku editada nos Estados Unidos vai publicar um haiku meu. E ele aqui fica em lançamento exclusivo:

dry leaves--
between each step
a silence

quinta-feira, 7 de abril de 2011

De hoje...

desde que nasceu
que o robusto castanheiro
ouviu falar de crise.


as papoilas
esperaram todo o Inverno -
e aí estão.


campo de Primavera!
Quanto da terra
são sementes!


onde estavam
todas estas flores
quando eu estava triste?


o ar cheira a mel -
as abelhas correm
a guardá-lo.

domingo, 3 de abril de 2011

Livre Circulação

"Livre Circulação" é o nome de uma exposição com obras da Fundação de Serralves no Centro de Arte Manuel de Brito em Algés (Oeiras). Trata-se de uma exposição de arte contemporânea que, como de costume, nos procura surpreender e mostrar que fazemos circular o nosso olhar, o nosso gosto e as nossas ideias sobre carris.
Alguns trabalhos chamaram-me a atenção por procurarem de forma deliberada imitar a Natureza. Imitá-la sem sobranceria mas desnudando os pobres maquinismos que dispomos para representar ou simular a Natureza. Os trabalhos sobre as ondas do mar, o vento nas palmeiras e as nuvens eram muito ilustrativos tão pouco que o homem é capaz quando quer representar ou recriar a Natureza.
E fica as perguntas: onde é que nos perdemos para precisarmos de representar a Natureza para nos lembrar o mar, as palmeiras e as nuvens de verdade? Onde é que as podemos voltar a encontrar?


linda foto do mar -
e o vento? A maresia?
- Ficaram lá.

sábado, 2 de abril de 2011

Lançamento do Livro



Aquelas paredes respiram, transpiram e aspiram por literatura. O Grémio! Foi mesmo ali que nos juntamos para lançar o livro "De Frente para o Mar". Cada autor presente (e estiveram 5 ) apresentou uma reflexão sobre o haiku e sobre a sua forma de escrever haiku. Foram momentos especiais e muito ricos.
Esteve também presente o editor Jorge Fragoso. Retenho, para reflectir a frase que ele pronunciou "A poesia não serve para nada". Não serve para nada? Ai serve, serve. Mesmo na era em que nos pretendem impingir que a economia é tudo. (Isto é: é toda a nossa desgraça!)
Querem escrever um comentário a dizer para que é que a poesia serve?

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Nelson Savioli

Divulguei há pouco tempo a publicação do livro do poeta (ou melhor, haijin) brasileiro Nélson Savioli "Insistente Aprendiz".
Mas faltava divulgar alguns dos seus haicais.
E aqui estão com um aceno amigo:



Mãos flutuam
Garimpando sons.
Ah, primavera!

Manhã outonal.
Os primeiro sons da manhã
vêm pelo rádio.

A orquestra destoa —
maestro com uma mosca
na ponta do nariz.

Passa o caminhão,
olhos fitos no horizonte,
o cão viaja.

terça-feira, 29 de março de 2011

Vergonha

Eu sei que este blog foi feito para falar de poesia. É quase uma infracção falar de outra coisa que não seja disso mas...
Lá vêm os "mas"...
Tenho que dizer que nunca como hoje senti vergonha de ser português. Uma anónima e perversa agência de "rating" escreveu hoje que "Portugal estava no bom caminho, mas devido à instabilidade política, baixou dois níveis na confiança dos empréstimos".
O quê? Estavamos no bom caminho (equilibrando-nos numa corda instável) e abrimos uma crise política que desbarata a pouca confiança que ainda tinham em nós? Que políticos são estes que descaradamente preferem "ir ao pote" do que salvar os salários, as pensões, a riqueza e o país? Com que cara vou ao estrangeiro e dizer "Sou português!"?
Hoje sinto vergonha de ser representado por políticos gananciosos, estúpidos e patriotas hipócritas. QUE VERGONHA!!!

domingo, 27 de março de 2011

Guimarães e as Cabras

Saiu nos jornais de ontem esta formidável e criativíssima notícia: Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012, vai usar cabras para aparar as relva e para limpar os espaços públicos. Como é que ninguém se tinha lembrado disto antes?
Mas... (Ah... os mas...)
Um dos argumentos que foi mais convincentes para a disseminação do automóvel foi o seu carácter anti-poluidor. Imaginem, quando se viam as ruas cobertas de bosta de cavalo, de burro e de boi, o "limpíssimo" que o automóvel pareceu aos nossos antepassados... Passados 100 anos o automóvel alcandorou-se em "poluidor mor".
Está-se a ver a relação: se as cabras aparam a relva e comem o lixo, quem é vai apanhar a "poluição mérdica" que elas vão deixar pelo caminho? (Será que vão com uma fralda que diz "Guimarães - Lugar da Cultura 2012"?

as cabras
trocam o lixo da rua ~
qual era o melhor?

quinta-feira, 24 de março de 2011

Workshop de Haiku




Fiz na semana passada um workshop sobre poesia haiku no Instituto de Odivelas. Tudo correu naquele ambiente que nos redobra a confiança no presente e no futuro.
O grupo das alunas (ver foto) revelou-se interessadíssimo e, convidadas a escrever um haiku, só nos presentearam com excelentes textos. A Profa Carmo Dias foi a desencadeadora do processo que teve também a presença de outros professores.
Obrigado pelo convite!

E fica a lembrança:


em Odivelas
os brotos da Primavera
são vermelhos,

terça-feira, 22 de março de 2011

100 anos da Universidade

Alguns haiku que escrevi depois de assistir à cerimónia comemorativa dos 100 anos da Universidade de Lisboa:


rola pelo corredor
uma cascata de música
e risos de criancas.


cem anos
e a oliveira só pensa
na Primavera.



o rio encontra
guiado só pelo seu peso
outras águas.



chegar aqui
foi um caminho -
nem mais nem menos.



e a minha vida?
valeu a pena?
Disseram que sim!!!



tardinha:
- Dormimos aqui
ou chegamos?

domingo, 20 de março de 2011

Os protagonistas

Nem sempre são as pessoas mais indicadas, com melhores condições aquelas que encabeçam e sustentam iniciativas de inovação. Muitas vezes o que deve ser feito é iniciado e consumado por pessoas que parecem à partida ser absolutamente incapazes de empreender as tarefas e missões em que se comprometem.
Processos humanos desenvolvidos por humanos... a perfeição é um ponto lá longe... para onde caminhamos.


levantou-se o cego:
- Está a chegar a noite,
vou acender a luz.

ou

cai a noite -
o cego levanta-se
para acender a luz.


ou ainda...


foi o cego
que lembrou que era preciso
a acender a luz.

sábado, 19 de março de 2011

Salamanca

Lua maior
na Plaza Mayor -
só eu ainda pequeno.


no dia do pai
a grande lua
parece mais mae.


tanto luar!
as fachadas douradas
debruadas a negro.


Deus è grande demais
para caber
nas enormes catedrais.


sem folhas
as árvores da Primavera:
só flores.


mesmo quem ganha a paz
pinta com sangue
o "victor" de vencedor.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Odivelas

as filhas dos samurais
fazem versos de paz -
chega a Primavera.


o anjo de azulejo
ri-se com o teatro
das raparigas.


um computador
na sala gótica -
ah.. o tempo...


as arcadas
desenham gomos de sol
nas amrelinhas.


Agnus Dei à porta -
o único juvenil
entre os santos velhos.


pela janela
entram com o sol
os gritos do recreio.



olhos adolescentes
navegam para longe -
à palavra "paixão".

domingo, 13 de março de 2011

Vazio

aquela flor de trevo!
Agora. Aqui.
Mais nada.


um dia
pensarás só no presente -
como uma erva.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Japão, hoje.

tudo treme
economia, tu, eu -
e agora a Terra...


o ronco da terra -
os senhores são só poeira
na crosta.



rolam as placas
para ficarem mais firmes -
óbvio!



ainda acesa
tremeu a faúlha -
(não estava apagada?)

terça-feira, 8 de março de 2011

Algo se perde...

as águas do rio
separam-se para sempre
no delta.



bem guardada
a caneta Mont Blanc
junto às que perdi.

sábado, 5 de março de 2011

Vida: "mode d'emploi".

Sabes meu rapaz:
Pra não andares aos "ais"
faz o que és capaz,
nem menos nem mais.
Mas...
o mais difícil
nesta vida
é saber qual
é a medida.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Categoria

É muito interessante esta palavra: "categoria".
Originalmente parece ter o significado de designar um grupo com características iguais. Todos os que estão dentro da mesma categoria são iguais entre si e diferentes dos que estão em qualquer outra categoria.
Mas tem também o significado de pertencer a um grupo seleccionado, de elite, enquanto outros não têm esse pervilégio. "Aquele tipo tem muita categoria. O outro? Não tem categoria nenhuma...".
As categorias estão no âmago da discriminação sobretudo quando, pela sua própria natureza, não vêem as óbvias continuidades entre o que está fora e o que está dentro. (Falamos de gente, claro!) ...


Já que
deitamos fora a
solidariedade,
a justiça e
a inclusão
(o amor foi junto...)
criamos categorias
para ver
os pobres,
os deficientes,
os idosos, (...)
Ah... assim já os vemos
e podemos
ter assegurar-nos
que eles ficam
lá... no seu lugar.




procurei um alvo
só então vi
o tronco da árvore.

quarta-feira, 2 de março de 2011

31 de Março no Grémio Literário (18h00)

Neste dia (ver título) vai-se realizar a apresentação do livro "De Frente para o Mar". A entrada é livre mas precisamos de ter uma estimativa do número de participantes. Podem deixar uma mensagem sobre este assunto nos "comentários" a este post.
Nesta apresentação estarão presentes a maioria dos autores que lerão os seus haiku e dirão certamente algumas palavras sobre o seu processo de criação.
Dia 31 de Março é um grande dia para a divulgação do haiku em Portugal. Divulguem, apareçam e tragam amigos.

Singularidades

O que é que está certo (porque é "da nossa natureza") e o que é que está incompleto (o que falta à nossa natureza)? O que é um estilo e o que é um defeito? O que é que temos de conservar e o que é que temos de mudar?
Tantas questões que desafiam o conhecimento da Psicologia, da Educação, da Ética, enfim de todo o conhecimento que se (pre)ocupa com o humano.
Dois tercetos "haikulike":

qualquer adjectivo
junto de "natureza" -
dá mau haiku.


parecem-me tortos
alguns ramos da árvore:
fotografo ou podo?

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Insistente Aprendiz


Nelson Savioli um conhecido e qualificado haijin do Brasil, acaba de editar o livro "Insistente Aprendiz" (Qualitymark Editora, 2010).
É um livro para se acariciar bem na palma da mão de tão útil e sensível que é: útil porque para além das poesias apresenta textos de grande valia para entender a confecção de um haiku, sensível porque o autor escreve poemas de finíssimo recorte e em que a discrição, a leveza e o recato estão sempre presentes.
Parabéns Nelson! E continue a aprender que só pode ensinar quem aprende.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

World Haiku 2011


Acabou de me chegar à mãos vindo do Japão a antologia "World Haiku 2011" editada por Ban'ya Natsuishi e publicada pela World Haiku Association. Como se diz na capa é uma vibrante prova da vitalidade do haiku uma vez que publica poesia de 181 poetas de 41 países do mundo.
41 países entre os quais Portugal. Nesta antologia para além de mim há poesias de Leonilda Alfarrobinha, Casimiro de Brito e de Lucília Saraiva.
Deixo aqui um haiku destes três mosqueteiros (que afinal são quatro, tal como na história de Dumas):

entre a blusa e a pele
a lua e a mão -
ambas cheias

between the blouse and the skin
the moon and the hand -
both full.

David Rodrigues



na palma da mão
o peso de uma laranja -
nasce a madrugada.


in the palm of my hand
the weight of an orange -
dawn's birth

Leonilda Alfarrobinha



Lua cheia.
Cuidado com as unhas,
podes rebentá-la.

Full Moon.
Watch your nails
You can bust it.

Casimiro de Brito


Chuva e vento
numa dança lenta
as gaivotas seduzem o mar


Pluie et vent -
dans une danse lente,
les mouettes séduisent la mer

Lucília Saraiva

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ainda a neve

charrete turística -
atrás dela o Porsche
só com um cavalo.


turistic carriage -
behind it the Porsche
with a single horse.


um avião -
uma luz voa
as outras ficam.


an airplane -
a light flies away
the others stay.


não ouço passos
ouço o silêncio entre eles.
Ah, a neve!


I don't hear steps
only the silence between them
Ah, the snow.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"Fabricação" de um haiku

Alguns amigos têm-se mostrado incrédulos sobre a possibilidade de resumir um texto longo num haiku. Eu não diria que TODOS os textos se podem resumir a haiku. Longe disso: acho que cada texto tem a sua forma e o haiku não é a mais perfeita delas - é uma mais.
Mas também é certo que me acontece (realço a primeira pessoa do singular) gostar de reduzir textos a haiku. Compartilho uma destas experiências:

Estou numa estância de desportos de Inverno para umas curtas férias e ontem escrevi o seguinte texto:

queria que o silêncio
se colasse aos meus passos
e que, ao olhar para trás,
não visse as minhas pegadas
nem à frente
se me acenassem destinos.
Só a neve.
Como se eu tivesse caído do céu
e dali só saísse
sugado por ele.


Hoje, procurei fazer um haiku a partir deste texto. Eis o resultado:

no meio da neve,
sem pegadas nem destinos
olho o céu.


Que acham?

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Haiku da neve

uma bola de neve
soltou-se do Monte Branco -
Ah... a Lua.


"skieur" principiante:
- Se soubesse andar de ski
não me agarrava a ti.


neve fofa ~
a leveza esmagada
pelas botas.


é para onde se olha
que vamos -
como sempre.


o teu destino
é para o lado
que tens menos peso.



rente à neve
voa uma gaivota
(ou um esquiador?)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Noite

procuro.
na noite só ar fresco:
tu não estás.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Should I stay or should I go?

seguro as calças
nas pernas abertas
aperto a camisa.


digo à camisa:
- Passa o dia comigo,
quem sabe à noite...


couves amarelas -
porque não chegaram
à panela?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Recato

Faz-te mula,pá!
Sempre de novas:
- Ai sim? A sério? Não acredito!
Unta-te com o óleo fino do recato
Diz muitos "talvez", "vamos ver"...
Só debaixo do lençol
abre a boca muda para gritar "yes".
Faz-te mula!
Se andares a bater o badalo
mostras mais do que és.
(És um exagerado!)
Eu sei que és humilde mas
encena a humildade.
É bom pra toda a gente:
não tentas os outros para o Inferno
e se calhar até tu escapas...
Faz-te mula! Faz-te mula, pá!

Sol

o sol de inverno
entra pela janela -
e o gato?

gardénia indecisa
entre o sol de inverno
e os dois graus.


passa um avião:
uma luz voa para o céu -
as outras ficam.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

TNT - "Tento na Tecla"

Uma pessoa que muito considero, pessoal e literáriamente, fez uma critica muito desfarorável a este blog. Segundo esta opinião este blog "usa um péssimo português que mais se assemelha a um criolo do que à língua de Camões".
E sabem que eu concordo, pelo menos em parte: quase sempre não tenho tempo, mesmo para reler o que, num impulso entre compromissos profissionais me "apetece" escrever. Assim há falta de virgulas, erros de dactilografia, frases mal construídas, etc. etc. Isto para já não falar na qualidade das ideias...
Agradeço a crítica e vou tomar mais cuidado.
E o que é que eu alego em "minha defesa"? Quase nada. Mas talvez e só, o carácter espontâneo da escrita, o escrever como se pensa e como se fala sem esculpir e rever a frase. Procurar um pouco do perfume de espontaneidade do "haiku" mesmo quando se escreve em prosa.
É isto. E não é novidade! Os meus poucos leitores sabem, desde que leram os meus primeiros posts, que eu pertenço à APII (Associação dos Pequenos e Ínfimos Intelectuais). Portanto nada de esperar grandes coisas...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Kepler - 11a

Foi descoberta uma estrela com este nome: Kepler- 11a. Está a 2000 anos luz da Terra e que tem, gravitando à sua volta, seis planetas.
Aposto que pelo menos num deles não há as misérias que afectam o terceiro calhau a contar do Sol... É uma forma de transcendência a "astrocendência": como o número de planetas é infinito, o bem matemáticamente existe (o mal também)


será esta a estrela
que tem o bom planeta?
- Olha de novo!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Ano novo 1

nos cromados do carro
as luzes correm para trás -
e eu vou em frente.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Ano Novo

Novo ano -
o que deixei atrás
mantém-me no ar.


New Year -
what I left behind
keeps me flying.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Publish!

Acho que os universitários nunca tiveram tanta pressão para publicar trabalhos científicos. Nunca foi tão verdadeira a máxima "Publish or Parish" (Tradução: "Ou publicas ou morres"). É a escolha.
A minha é:

Publish or Parish!
(I prefer Parish
speciallysh in Spring)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Ambiguidades

luzes, perfumes,
música e glamour -
mas aquelas meias...


só quebra o escuro
a brisa do suspiro
pelo meu pescoço.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Mais três de Inverno

está decidido!
Por acima do aquecedor
o ar treme.


núvens com sombra -
hoje o céu
imita Margerite.


folhas secas -
o silêncio vem comigo
mas entre os passos.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Mais um

renda negra fria -
contra o sol do crepúsculo
um pinheiro.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O normal e o terapêutico

Retomo um pensamento de Nélson Mendes - meu excelente professor de há muitas décadas - sobre o que é normal e terapêutico: para uma planta a água é normal ou terapêutica?
Diria eu: o normal torna-se terapêutico quando o normal não funciona. O riso é terapêutico para quem não ri mas o natural é que ele existisse sempre na nossa vida; uma tarde sem pensar no trabalho é terapêutica porque o trabalho tomou a nossa vida de tal maneira que já não é normal não pensar no trabalho... E quando falta o saudável, o normal, o natural, então o que devia ser natural torna-se terapêutico. Tudo o que faz bem, tudo o que é terapêutico não devia, nunca, de ter saído da nossa vida


a planta
toma água
por receita médica.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Janeiro

céu de Janeiro -
agora com as nuvens
vê-se o sol.


a chama da vela
aquietou-se
quando chegaste.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

3 haiku

cheguei
à manhã de um novo dia -
agora é partir.


frondoso pinheiro:
toda a vida lhe bastou
a terra e a água.


o plátano e eu
à espera da Primvera -
um nú, outro vestido.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Chão dos Pinheirais


O poeta José Marins, teve a amabilidade de me enviar a antologia de Haicai editada pelo Grémio de Haicai "Chão dos Pinheirais" (Irati, Paraná, Brasil). Trata-se de uma antologia organizada por Dorotéia Miskalo, José Maria Orreda e Tereko Oda.
Para além de poetas adultos esta antologia inclui também poemas de crianças e jovens. Trata-se de uma antologia intergeneracional e assim proporciona um encontro que talvez só a poesia haicai seja capaz de fazer: juntar diferentes gerações numa base de efectiva igualdade.
Na capa lê-se:

Entre seus morros
Caminham centenas de sonhos
Cidade de Irati.

Parabéns aos organizadores e autores! Bom caminho!

domingo, 9 de janeiro de 2011

Valer a pena

A letra de um antigo fado de Coimbra rezava assim: "fui ao Mondego lavar/as penas das minhas mágoas". As "penas" que querem dizer os desgostos, os sacrifícios, as tristezas.
E nós dizemos: "Vale a pena?". Literalmente o que se vai fazer vale o sacrifício, vale o esforço penoso? É interessante esta associação entre a actividade e o trabalho com a "pena". "Fui ver tal concerto e valeu a pena". Mesmo no Brasil quando se quer dizer que algo foi bom diz-se "Valeu!"
(Ai esta vida é um vale de lágrimas...)
"Valeu a pena!". ("Valeu a alegria" também serve?)

miar do gato -
está alegre
ou triste?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sobrojetivo

Palavra curiosa esta! Objeto - de concreto; objetividade como qualidade daquilo que é sólido, palpável, real, existente. Um objeto. E não só o os palpáveis também os números, as demonstrações, os fatos.
Objetividade a qualidade do que não é treta: é objetivo mesmo. Mas...
Ah, os mas...
Quantas mentiras temos visto em nome da objetividade? Quantas manipulações? Objetivo é o que se mostra. E o que se esconde?... Objetivo é... uma visão que, amparada pelos dados "convenientes" mostra indiscutivelmente uma realidade objetiva.
Daí que o que é inferior ao objetivo seja Subjetivo (Sub-objetivo).
Eu acho que o sub-jetivo não deveria ser escrito como sendo abaixo (prefixo - "sub") do objectivo. Por isso proponho que se diga SOBROBJETIVO (prefixo sobre - por cima) Exemplo: "A sua opinião é muito sobrobjetiva"
É quando somos sobrojetivos que somos verdadeiramente humanos.


PS. Escritos sem os "cês" por casa do acordo ortográfico. I hope it's correct...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

2 haiku de ano novo

da casca de plátano
brota um rebento -
é cedo ou tarde?


Aaron Copland -
o grande céu de inverno
baço e luminoso.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Liberdade

Ah... a liberdade do duche...
O espaço é o mesmo todos os dias
o shampô e o sabonete
raramente mudam,
A sequência dos movimentos é a mesma
cada dia que passa
A toalha segue sempre
os mesmos percursos
e pela mesma ordem...
Isto é que é liberdade!

Receita

RECEITA DE ANO NOVO
Carlos Drummond Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser, novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha ...
...Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.