quinta-feira, 16 de julho de 2009

O Poste

Das sessenta mil pessoas que se sentavam naquele estádio de futebol uma tinha uma preocupação certamente diferente de todas as outras. O Américo Santos estava sentado na parte das bancadas mais próxima do relvado e logo por detrás de uma das balizas. Na última semana tinha estado a trabalhar na estrutura daquela baliza. A fixação do poste ao solo tinha cedido e o Américo Santos fruto da sua fama de pedreiro competente e de confiança tinha sido chamado para resolver o problema. “Mas olhe, que isso tem de ficar bem e pronto depressa!” – disse-lhe o responsável do clube – “No próximo Domingo recebemos o nosso grande rival...”.
O Américo trabalhou o melhor que pode: diagnosticou a situação, preparou uma sólida base de betão, consolidou o solo e na quinta-feira tinha o trabalho pronto.
E ali estava ela no grande dia: estádio cheio, bandeiras, faixas, cânticos, mil cores e sons. E ele a olhar para a trave. Sabia que o trabalho estava bem feito mas...o solo seria suficientemente firme? O betão teria já secado? Os parafusos que tinha aplicado seriam suficientemente fortes? Sentia uma turvação só de pensar na vergonha e embaraço que seria a baliza cair a meio do jogo... nem queria pensar nisso...
Começou o jogo e com ele o sofrimento para o Américo. Parecia que todos os lances eram junto da “sua” baliza: Foi um forte remate ao poste... e a baliza abanou e aguentou... depois, na marcação de um canto, dois defesas encostaram-se ao poste... “Cuidadinho!” pensava o Américo. Já na segunda parte o guarda-redes sofreu um golo. Foi buscar a bola ao fundo da baliza e zangado deu um forte pontapé no poste. O Américo saltou da cadeira de olhos arregalados: “Que isso pá, tas parvo?”. Ao lado alguém ao lado respondeu “Olhe que o homem não teve culpa no golo”. O Américo olhou para o lado como se desse conta pela primeira vez que estava a ver um jogo de futebol.
E foram sobressaltos atrás de sobressaltos até ao fim do jogo. Até um defesa decidiu ir bater as chuteiras no poste para tirar a relva que lá tinha ficado presa... e quase no fim do jogo um defesa lançado em corrida agarrou-se ao poste para melhor travar.
O árbitro apitou finalmente para o fim do jogo. O Américo caiu pesadamente sobre a cadeira, suado, exausto pela tensão que tinha vivido e absolutamente alheado da exuberância que o rodeava. Deu conta que não sabia qual tinha sido o resultado do jogo. “Eh pá, não fique chateado!” – brincou um espectador ao lado –“Prá semana há mais...”. O Américo não respondeu mas pensou “Mas pelo menos já tenho a certeza que o cimento está seco!”.

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